Ficção
com toque de erudição
O
escritor italiano, Umberto Eco, foi
um dos intelectuais mais eruditos e lúcidos da literatura mundial.
Muito me estranha que não tenha sido laureado com o Prêmio Nobel de
Literatura. Foi,
na minha modesta avaliação, um dos tantos injustiçados dessa
premiação, que dá tanto prestígio (e dinheiro, claro), mas que
nunca deixou de ser polêmica. Pudera! Mexe com um lado
sensibilíssimo da natureza humana: a vaidade. Quem é premiado,
sente-se plenamente “justiçado”, claro. Quem não é...
Mas
no caso de Umberto Eco, o fato de nunca ter recebido o Nobel foi
injustiça mesmo. Aliás, há certo preconceito em relação a esse
escritor. E ele chega a ser ridículo (aliás, todos os
preconceituosos, com seus respectivos preconceitos, sempre o são).
Ele é visto com maus olhos e vocês sabem por que? Pasmem, por sua
erudição, fator que deveria ser motivo de admiração e respeito e
jamais de prevenção! Muitos escritores não veem
Umberto Eco como tal. Argumentam que, dada a sua imensa cultura, ele
não escrevia
com “naturalidade”. Essa é uma das maiores tolices de que já
tomei conhecimento! Cruz credo!!!
Quem
leu o romance “O nome da rosa”, memorável best-seller que teve o
sucesso editorial reforçado e ampliado pelo filme baseado no livro,
percebe quão tolo e pueril é esse “julgamento”. É verdade que
não se pode agradar, simultaneamente, “a gregos e troianos”.
Admite-se que alguém não goste de determinado escritor ou por seu
estilo, ou pelos temas que aborda, ou por mera idiossincrasia
pessoal. Mas contestar seu valor literário por aquilo que deveria,
na verdade, multiplicá-lo, ou seja seus conhecimentos, sua cultura e
sua erudição, no meu modo de encarar as coisas, é o fim da picada!
Trago
Umberto Eco à baila, todavia, não por causa desse aspecto, mas pelo
fato de ter sido lançado no Brasil, há
um certo tempo, novo
romance dele: “O cemitério de Praga” (Editora Gradiva). Apesar
de tratar-se de ficção, é um livro com conteúdo. Ademais, foi
escrito com tanta fluência e perícia, que prende a atenção do
leitor, por mais desatento e distraído que seja, da primeira à
última página. Como “O nome da rosa”, o enredo envolve, de
alguma forma, membros do clero.
A
história foi
escrita em forma de diário. Foi
narrada na primeira pessoa, pelo personagem central da trama que,
aliás, tem dupla personalidade, o que torna mais interessante ainda
a narrativa. Claro que não revelarei o enredo, nem mesmo de forma
resumida, para não tirar do leitor o fator surpresa, tão importante
na leitura, sobretudo de romances. Só revelo que o centro da trama é
um documento falso sobre uma alegada reunião de sábios judeus no
antigo Cemitério de Praga (daí o título do romance). Se quiserem
saber mais, todavia, leiam o livro. Vocês irão me agradecer,
certamente, pela sugestão.
Convém,
a esta altura, discorrer um pouco mais sobre Umberto Eco, até para
esclarecer os que não conhecem seu magnífico currículo. Ele nasceu
em 5 de janeiro de 1932 na cidade de Alexandria. Faleceu
em 19 de fevereiro de 2016. Além
de escritor, foi
semiólogo, linguista
e bibliófilo. E filósofo, naturalmente. Sabia,
portanto, o valor das palavras, seus vários significados e o melhor
uso que se pode fazer com elas. Poucos, pouquíssimos escritores são
mais bem preparados do que ele foi
para comunicar mensagens, mesmo que cifradas ou subliminares.
Cumpriu,
portanto, a caráter a finalidade da arte na concepção de Fernando
Pessoa, que não é a de “agradar” (vocês se lembram?), mas de
“elevar” (e eu acrescentaria, “enlevar”) os leitores.
Como
seria de se esperar de um escritor erudito, a maior parte da sua obra
é constituída por livros de ensaios. Se não errei na contagem,
foram 33 desse gênero que publicou. São obras preciosas não
somente de informação, mas, sobretudo, de formação estética e
cultural. Escreveu pouca ficção. Para que vocês tenham uma ideia,
“O Cemitério de Praga” foi,
apenas, seu sexto romance. Mas, para desgosto dos seus detratores,
que por causa de sua erudição, não o consideravam
ficcionista e sequer “escritor”, todos eles se constituíram em
sucessos editoriais. Pudera! São muito bons!
Não
há leitor bem informado que não tenha lido, ou que pelo menos não
conheça de nome, livros como “O nome da rosa”, “O pêndulo de
Foucault”, “A ilha do dia anterior”, “Baudolino” e “A
misteriosa chama da rainha Loana”. E o “Cemitério de Praga”,
que foi
sucesso de vendas (e de crítica), em várias partes do mundo,
inclusive
também aqui no Brasil.
E
olhem que sequer citei sua magnífica carreira universitária, até
para não dar razão aos que não o consideram escritor. E, pior,
ostentam essa irracional opinião por causa da sua imensa erudição
(coisa com a qual, me perdoem, não consigo me conformar).
Será
que seus detratores gratuitos leem
jornais e revistas? Caso leiam, o que dirão da coluna semanal que
Umberto Eco publicava
na revista “L’Esspresso”? Afinal, nela esse erudito homem de
letras mostrava
outro lado do seu talento. Comentava
de tudo, de política até futebol, das bobagens de Sílvio
Berlusconi à utilidade da Wikipédia, mostrando tratar-se de homem
bem informado, atento às coisas que ocorriam
em seu tempo, o que contraria o estereótipo estúpido de que os
intelectuais seriam todos alienados nas coisas que não se refiram à
erudição.
Há
tempos que eu queria fazer um desabafo, como este, que me faz lembrar
uma citação, não me lembro de quem, de que “a burrice é
democrática e universal”. Só espero que não seja contagiosa.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Jamais poderia supor isso. Você, com a sua abençoada erudição, nos salva.
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