quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Editorial - Ficção com toque de erudição


Ficção com toque de erudição


O escritor italiano, Umberto Eco, foi um dos intelectuais mais eruditos e lúcidos da literatura mundial. Muito me estranha que não tenha sido laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Foi, na minha modesta avaliação, um dos tantos injustiçados dessa premiação, que dá tanto prestígio (e dinheiro, claro), mas que nunca deixou de ser polêmica. Pudera! Mexe com um lado sensibilíssimo da natureza humana: a vaidade. Quem é premiado, sente-se plenamente “justiçado”, claro. Quem não é...

Mas no caso de Umberto Eco, o fato de nunca ter recebido o Nobel foi injustiça mesmo. Aliás, há certo preconceito em relação a esse escritor. E ele chega a ser ridículo (aliás, todos os preconceituosos, com seus respectivos preconceitos, sempre o são). Ele é visto com maus olhos e vocês sabem por que? Pasmem, por sua erudição, fator que deveria ser motivo de admiração e respeito e jamais de prevenção! Muitos escritores não veem Umberto Eco como tal. Argumentam que, dada a sua imensa cultura, ele não escrevia com “naturalidade”. Essa é uma das maiores tolices de que já tomei conhecimento! Cruz credo!!!

Quem leu o romance “O nome da rosa”, memorável best-seller que teve o sucesso editorial reforçado e ampliado pelo filme baseado no livro, percebe quão tolo e pueril é esse “julgamento”. É verdade que não se pode agradar, simultaneamente, “a gregos e troianos”. Admite-se que alguém não goste de determinado escritor ou por seu estilo, ou pelos temas que aborda, ou por mera idiossincrasia pessoal. Mas contestar seu valor literário por aquilo que deveria, na verdade, multiplicá-lo, ou seja seus conhecimentos, sua cultura e sua erudição, no meu modo de encarar as coisas, é o fim da picada!

Trago Umberto Eco à baila, todavia, não por causa desse aspecto, mas pelo fato de ter sido lançado no Brasil, há um certo tempo, novo romance dele: “O cemitério de Praga” (Editora Gradiva). Apesar de tratar-se de ficção, é um livro com conteúdo. Ademais, foi escrito com tanta fluência e perícia, que prende a atenção do leitor, por mais desatento e distraído que seja, da primeira à última página. Como “O nome da rosa”, o enredo envolve, de alguma forma, membros do clero.

A história foi escrita em forma de diário. Foi narrada na primeira pessoa, pelo personagem central da trama que, aliás, tem dupla personalidade, o que torna mais interessante ainda a narrativa. Claro que não revelarei o enredo, nem mesmo de forma resumida, para não tirar do leitor o fator surpresa, tão importante na leitura, sobretudo de romances. Só revelo que o centro da trama é um documento falso sobre uma alegada reunião de sábios judeus no antigo Cemitério de Praga (daí o título do romance). Se quiserem saber mais, todavia, leiam o livro. Vocês irão me agradecer, certamente, pela sugestão.

Convém, a esta altura, discorrer um pouco mais sobre Umberto Eco, até para esclarecer os que não conhecem seu magnífico currículo. Ele nasceu em 5 de janeiro de 1932 na cidade de Alexandria. Faleceu em 19 de fevereiro de 2016. Além de escritor, foi semiólogo, linguista e bibliófilo. E filósofo, naturalmente. Sabia, portanto, o valor das palavras, seus vários significados e o melhor uso que se pode fazer com elas. Poucos, pouquíssimos escritores são mais bem preparados do que ele foi para comunicar mensagens, mesmo que cifradas ou subliminares. Cumpriu, portanto, a caráter a finalidade da arte na concepção de Fernando Pessoa, que não é a de “agradar” (vocês se lembram?), mas de “elevar” (e eu acrescentaria, “enlevar”) os leitores.

Como seria de se esperar de um escritor erudito, a maior parte da sua obra é constituída por livros de ensaios. Se não errei na contagem, foram 33 desse gênero que publicou. São obras preciosas não somente de informação, mas, sobretudo, de formação estética e cultural. Escreveu pouca ficção. Para que vocês tenham uma ideia, “O Cemitério de Praga” foi, apenas, seu sexto romance. Mas, para desgosto dos seus detratores, que por causa de sua erudição, não o consideravam ficcionista e sequer “escritor”, todos eles se constituíram em sucessos editoriais. Pudera! São muito bons!

Não há leitor bem informado que não tenha lido, ou que pelo menos não conheça de nome, livros como “O nome da rosa”, “O pêndulo de Foucault”, “A ilha do dia anterior”, “Baudolino” e “A misteriosa chama da rainha Loana”. E o “Cemitério de Praga”, que foi sucesso de vendas (e de crítica), em várias partes do mundo, inclusive também aqui no Brasil.

E olhem que sequer citei sua magnífica carreira universitária, até para não dar razão aos que não o consideram escritor. E, pior, ostentam essa irracional opinião por causa da sua imensa erudição (coisa com a qual, me perdoem, não consigo me conformar).

Será que seus detratores gratuitos leem jornais e revistas? Caso leiam, o que dirão da coluna semanal que Umberto Eco publicava na revista “L’Esspresso”? Afinal, nela esse erudito homem de letras mostrava outro lado do seu talento. Comentava de tudo, de política até futebol, das bobagens de Sílvio Berlusconi à utilidade da Wikipédia, mostrando tratar-se de homem bem informado, atento às coisas que ocorriam em seu tempo, o que contraria o estereótipo estúpido de que os intelectuais seriam todos alienados nas coisas que não se refiram à erudição.

Há tempos que eu queria fazer um desabafo, como este, que me faz lembrar uma citação, não me lembro de quem, de que “a burrice é democrática e universal”. Só espero que não seja contagiosa.


Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. Jamais poderia supor isso. Você, com a sua abençoada erudição, nos salva.

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