Um
homem solitário
*
Por Robledo Morais
Anoitecia
quando ele entrou. A casa estava deserta, muda, sem ninguém.
Inquieto, ele se remexia e procurava na escuridão dos cômodos algo
que não sabia o que era. Parou para ouvir o grande silêncio e este
se tornou mais intenso. Olhou para os lados como se procurasse
alguém. Nada. Estava próximo o Natal de Cristo. Mas cessados os
sinos, o silêncio tétrico voltou a reinar na casa deserta.
Sentou-se
numa velha cadeira de balanço e fechou os olhos. Sentia-se
confortável em meio às sombras. Uma sensação de brando repouso.
Absoluto repouso. A romper o seu silêncio ecoou novo barulho, agora
de vozes adultas e de crianças que vinham da rua. Estremeceu. Não
conseguia estar só e, portanto, não fazia sentido ficar agarrado à
solidão da casa. Gostava do silêncio, mas detestava a solidão.
Resolveu
enfrentar as ruas. Encantou-se com a suavidade do anoitecer e as
luzes de Natal adocicaram sua alma. Viu muitas pessoas carregando
pacotes, e era patente a alegria em seus rostos. Lamentou a dura
solidão que o cercava e a sua mania de pensamentos dolorosos. Mesmo
entre gente estava só.
Olhou
para o céu onde já ardiam inúmeras estrelas e ficou com saudade da
lua ausente. Era assim. Nunca desfrutava de alegrias completas. Se o
azul predominava sentia falta do verde. Se o verde sobressaía queria
o amarelo. Mesmo em êxtase sentia-se triste! E assim caminhou até a
Praça da matriz. Viu o presépio montado por um artesão da cidade.
Olhou-o com ternura e ao mesmo tempo sentiu um calafrio. Não se
conformava com apenas um boi reverenciando Jesus-Menino. Um burro só
tudo bem, mas um só boi o deixava inconformado. Da ternura
momentânea, seu olhar transmudou-se em aflitivo. Prosseguiu no seu
caminho e ouviu música de coral.
Parou.
Suaves, vozes de crianças transmitiam uma como que paz inquieta.
Vinham do teatro. Chegou lá. Quase se sentiu feliz ao não ser
barrado na entrada. Enxugou a água de chuva do rosto, ajeitou os
cabelos em desalinho e murmurando desculpas a uma das moças que
recepcionava o público sentou-se.
Estranhou
que o palco estivesse fechado. Fechado, não. Por uma fresta das
cortinas aparecia um raio de luz. Um homem de camisa azul começou a
falar ao microfone e as máquinas dos fotógrafos se voltaram para
ele. O homem avisou à plateia que os formandos continuariam a cantar
músicas que lembravam e homenageavam a literatura infantil de
Monteiro Lobato. Sim, pois eram formandos de uma escola da cidade.
Silêncio
profundo e as cortinas foram reabertas. A meninada, vestida a caráter
encantou o público com vozes melodiosas e encantadoras evoluções.
Os formandos haviam concluído a primeira etapa escolar de educação
infantil. Pela primeira vez naquele dia ele sorriu. Aplausos e as
crianças recolocaram Tia Anastácia, Narizinho, Rabicó, Pedrinho e
os outros personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo no lugar de
origem: os livros de Lobato.
Uma
nova pausa e agora com vozes angelicais entoaram Noite Feliz,
transportando a plateia (e o homem solitário) para Belém onde
Alguém nasceu para o nosso bem. O brilho voltou ao olhar esmaecido
do solitário que pela segunda vez sorriu naquele dia. Um sorriso
diferente, misturado com lágrimas que escorriam felicidade em seu
rosto. O homem esqueceu a dor humana grande e silenciosa que nele
habitava e se sentiu feliz!
*
Juiz de Direito aposentado
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