domingo, 30 de setembro de 2018

Um homem solitário - Robledo Morais


Um homem solitário


* Por Robledo Morais


Anoitecia quando ele entrou. A casa estava deserta, muda, sem ninguém. Inquieto, ele se remexia e procurava na escuridão dos cômodos algo que não sabia o que era. Parou para ouvir o grande silêncio e este se tornou mais intenso. Olhou para os lados como se procurasse alguém. Nada. Estava próximo o Natal de Cristo. Mas cessados os sinos, o silêncio tétrico voltou a reinar na casa deserta.

Sentou-se numa velha cadeira de balanço e fechou os olhos. Sentia-se confortável em meio às sombras. Uma sensação de brando repouso. Absoluto repouso. A romper o seu silêncio ecoou novo barulho, agora de vozes adultas e de crianças que vinham da rua. Estremeceu. Não conseguia estar só e, portanto, não fazia sentido ficar agarrado à solidão da casa. Gostava do silêncio, mas detestava a solidão.

Resolveu enfrentar as ruas. Encantou-se com a suavidade do anoitecer e as luzes de Natal adocicaram sua alma. Viu muitas pessoas carregando pacotes, e era patente a alegria em seus rostos. Lamentou a dura solidão que o cercava e a sua mania de pensamentos dolorosos. Mesmo entre gente estava só.

Olhou para o céu onde já ardiam inúmeras estrelas e ficou com saudade da lua ausente. Era assim. Nunca desfrutava de alegrias completas. Se o azul predominava sentia falta do verde. Se o verde sobressaía queria o amarelo. Mesmo em êxtase sentia-se triste! E assim caminhou até a Praça da matriz. Viu o presépio montado por um artesão da cidade. Olhou-o com ternura e ao mesmo tempo sentiu um calafrio. Não se conformava com apenas um boi reverenciando Jesus-Menino. Um burro só tudo bem, mas um só boi o deixava inconformado. Da ternura momentânea, seu olhar transmudou-se em aflitivo. Prosseguiu no seu caminho e ouviu música de coral.

Parou. Suaves, vozes de crianças transmitiam uma como que paz inquieta. Vinham do teatro. Chegou lá. Quase se sentiu feliz ao não ser barrado na entrada. Enxugou a água de chuva do rosto, ajeitou os cabelos em desalinho e murmurando desculpas a uma das moças que recepcionava o público sentou-se.

Estranhou que o palco estivesse fechado. Fechado, não. Por uma fresta das cortinas aparecia um raio de luz. Um homem de camisa azul começou a falar ao microfone e as máquinas dos fotógrafos se voltaram para ele. O homem avisou à plateia que os formandos continuariam a cantar músicas que lembravam e homenageavam a literatura infantil de Monteiro Lobato. Sim, pois eram formandos de uma escola da cidade.

Silêncio profundo e as cortinas foram reabertas. A meninada, vestida a caráter encantou o público com vozes melodiosas e encantadoras evoluções. Os formandos haviam concluído a primeira etapa escolar de educação infantil. Pela primeira vez naquele dia ele sorriu. Aplausos e as crianças recolocaram Tia Anastácia, Narizinho, Rabicó, Pedrinho e os outros personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo no lugar de origem: os livros de Lobato.

Uma nova pausa e agora com vozes angelicais entoaram Noite Feliz, transportando a plateia (e o homem solitário) para Belém onde Alguém nasceu para o nosso bem. O brilho voltou ao olhar esmaecido do solitário que pela segunda vez sorriu naquele dia. Um sorriso diferente, misturado com lágrimas que escorriam felicidade em seu rosto. O homem esqueceu a dor humana grande e silenciosa que nele habitava e se sentiu feliz!


* Juiz de Direito aposentado




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