Está
no Youtube
*
Por Urda Alice Klueger
No
ano passado eu fiz duas cirurgias de catarata. Como se faz uma hoje e
outra dentro de 15 dias, e há que esperar a cicatrização e depois
um óculos complicado (meus olhos é que eram complicados), tive que
ficar 75 dias sem ler, o que, para mim, é uma coisa terrível. Não
podia ler mas podia ver vídeos - e foi–aí que mergulhei no
youtube e fui vendo as mais diversas coisas. Em algum momento, bati
no assunto “Segunda Guerra Mundial”, e comecei a ver as coisas
sobre as quais tinha lido em criança (fui alfabetizada em 1960,
exatamente quando estavam a sair os mais diversos livros sobre a
Segunda Guerra).
Se
muitos daqueles livros me deixaram sem dormir na infância, os
vídeos, então, me colocaram num espaço de horror ainda não
imaginado. E há que pensar que os livros de 1960 traziam uma
realidade muitas vezes veladas, e que os vídeos de 2017 deixavam de
ocultar muito do que acontecera 70 anos antes, e muitos tinham até
certificado de cartórios como se tratavam de vídeos verdadeiros,
registrados pelo general tal ou tal, tanto estadunidenses quanto
soviéticos. Com o Brasil descendo a ladeira aceleradamente e o mal
grassando à solta pelo nosso país, aproveitei para fazer um estudo
sobre a Segunda Guerra Mundial, mergulhando naquela loucura
fotografada ou filmada (o cinema já era realidade forte, então, e
cineastas de qualidade acompanharam as tropas por todos os lados, sem
contar os amadores). Não era uma procura mórbida. Eu tentava
entender até onde podia ir a maldade do ser humano, para tentar
entender o Brasil. Foi terrível chegar a conclusão: a maldade do
ser humano não tem limites.
Penso
que você já ouviu falar do holocausto judeu, mas imagino que não
ouviu falar do holocausto ucraniano ou holocausto lituano, ou a
dizimação inexorável de populações inteiras, como as deficientes
mentais (físicos também – e olhe lá, usar óculos é ser
deficiente físico, caso você ainda não se antenou), homossexuais,
ciganos, testemunhas de Jeová, inimigos políticos, grandes
pensadores, grandes historiadores... e a lista segue.
Penso
que você já ouviu falar em Auschwitz, mas não faz ideia de que
campos de extermínio e de trabalho escravo chegavam a quase mil –
isso aí, MIL. Talvez você já tenha ido à Europa e tenha passeado
pelos caminhos bem ajardinados de Auschwitz e até chorado diante das
montanhas de óculos e de sapatos e de cabelos que lá estão em um
museu – e os outros quase MIL campos, onde as pessoas eram
sumariamente mortas ou colocadas em trabalho escravo e mortas por
inanição? Meu amigo, esses vídeos estão ao alcance de qualquer um
no www.youtube.com, e eu o
aconselho a ir conhecê-los
o quanto antes – só vai fazer bem para a sua vida, torná-lo
mais humilde por pertencer a uma espécie tão nojenta quanto a
nossa, capaz de enlouquecer coletivamente, como aconteceu com o povo
alemão naqueles anos anteriores à guerra e no decorrer da guerra –
pois muitos campos eram rodeados de residências onde as pessoas
viviam normalmente com suas crianças e seus cachorrinhos de
estimação, SABENDO o que se passava do outro lado do muro da sua
casa, pois não havia como não ver, não ouvir e não sentir o
cheiro de churrasco que tomava conta dos espaços enquanto se
queimavam milhares de corpos, e por aí vai. Sim, o povo alemão
estava enlouquecido e foi conivente com a terrível barbárie que
aconteceu do lado de lá das suas cercas, e o meu horror, agora, é
ver uma boa parte do povo brasileiro enlouquecida também, prestes a
apoiar barbaridade semelhante. O que aconteceu naquela ocasião é o
que se chama de fascismo, e agora ele está batendo bem forte nas
nossas portas.
Dentro
de alguns dias teremos eleição para presidente da república, e um
dos candidatos posiciona-se abertamente como fascista, e fico
horrorizada quando vejo que aquele candidato tem a simpatia, quiçá
a idolatria de uma boa parcela dos brasileiros. Por favor, antes da
eleição, vá ao www.youtube.com
e veja aqueles vídeos. Não se pode admitir que tal fascismo venha a
tomar conta do Brasil como um dia dominou a Alemanha.
Palhoça,
18 de setembro de 2018.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
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