Sucessão de descobertas
*
Por Pedro J.
Bondaczuk
A
vida consiste em uma contínua descoberta, desde o nascimento até a
morte. A partir do útero materno, quando nosso sistema nervoso e,
por consequência, o cérebro estão formados, já temos consciência,
embora sem possibilidades de externar esse conhecimento, de que
existimos e nos encontramos em um ambiente muito bem protegido e
acolhedor. Pelo menos é o que dizem os especialistas. Aliás, isto é
comprovável, mediante o processo da regressão. Trata-se da primeira
descoberta de uma sucessão que cada indivíduo terá no correr de
sua existência, de acordo com a sua realidade e sua personalidade.
Ao morrer, descobriremos o quanto foram tolos os dogmas e valores aos
quais nos aferramos. Mas então já será tarde...
Criar,
seja o que for, também é descobrir. É, sobretudo, ousar. É ter
coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema
vigente com alguma novidade. É enriquecer o patrimônio da própria
humanidade. É colher os frutos desse supremo ato com humildade. O
norte-americano Michael Drury diz o seguinte a respeito: "A
grande verdade, a verdade transformadora, é que ser criativo
constitui uma descoberta --- a descoberta de nós mesmos, de nossa
maneira própria de reagir diante da vida. E descoberta é aquilo que
ninguém sabia antes. É algo que se faz só, como nascer ou morrer".
Algumas
verdades, preexistentes, mas que por alguma razão, não conseguimos
alcançar em determinado período da nossa trajetória vital, de
repente emergem diante de nós, se desnudam aos nossos olhos, se
revelam à nossa consciência. Muitas são óbvias, mas encaramo-las
dessa maneira apenas depois da revelação. Esta, em geral, ocorre
com a aquisição da experiência, resultado de muitos anos de
empirismo, de sucessivas tentativas e erros. Torna-se, para nós,
também uma descoberta. Uma delas é a forma como devemos nos
comportar no dia a dia para que a nossa vida se torne um prazer e não
o "vale de lágrimas" em que muitos a transformam.
Robert
Louis Stevenson faz interessante observação a esse propósito:
"Todos podem executar seu trabalho, por difícil que seja, por
um dia. Todos podem viver com doçura, paciência, ternura e pureza
até que o Sol se ponha. E isso é tudo o que a vida realmente
significa". Nós é que a complicamos com nossos temores, iras,
ambições e egoísmo. Para muitos, essa constatação pode ser uma
descoberta. Outros, do alto da sua arrogância, podem ironizá-la e
jamais assimilá-la. Para os conscientes, é um roteiro de conduta,
que os torna agradáveis aos olhos dos que convivem com eles.
Outra
descoberta, que é complicada, por ferir nosso amor próprio, é a
das nossas limitações. Mas ela é importante. Se quisermos
empreender conquistas, é indispensável sabermos onde estamos, o que
somos e o que queremos, para que possamos escolher a estratégia e os
meios para a nossa evolução. Não é necessário alardear nossas
deficiências. Mas é indispensável que as identifiquemos e nos
disponhamos a corrigir o que estiver incorreto. O dramaturgo Auguste
Strindberg sintetiza essa postura: "Para mim, a alegria de viver
está na dura e cruel luta pela vida. O aprender algo é para mim uma
alegria".
Mas
é possível sermos criativos com a admissão pública das nossas
vulnerabilidades. Há formas de fazer essa revelação sem que
precisemos nos humilhar. A literatura presta-se bem a isso. Podemos
projetar, por exemplo, nossas deficiências, quer sejam físicas,
quer mentais, quer morais, em um ou mais personagens de conto,
novela, romance ou peça teatral que nosso talento nos possibilite
produzir. Por isso que é quase consenso entre os escritores que
escrever é, antes de tudo, um ato de coragem. É estar disposto a
desnudar-se espiritualmente perante estranhos, a maioria dos quais
jamais viremos a conhecer pessoalmente. Trata-se de um maiúsculo
gesto de generosidade para com o próximo.
Mas
podemos admitir nossas fraquezas e deficiências de forma mais
intimista e bela. Como? Através de um poema. Como este "Epitáfio",
do inglês John Howard:
"Tímido
demais para vender
honesto
demais para ensinar
calado
demais para escrever
céptico
demais para pregar
altivo
demais para subir
cordato
demais para lutar
rasteiro
demais para cair
e
velho demais para mudar.
Como
veem, seria mesmo o cúmulo
eu
reivindicar aqui um túmulo;
aquém
do elogio, além do ultraje,
fui
só o que estava de passagem".
Embora
sem o talento de John Howard, há muito fiz idêntica descoberta. E
bem que poderia, um dia, que espero que esteja ainda muito distante,
ter esse enfático epitáfio...
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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