Ato de generosidade
O
escritor (pelo menos a imensa maioria dos que conheço) é, via de
regra, um sujeito generoso. Partilha com pessoas que sequer conhece o
que há de mais íntimo, precioso e nobre em sua alma: ideias,
emoções, impressões, informações etc. e, sobretudo, seu talento.
Há, claro, como em todas as regras, exceções. Estas, contudo, são
tão inexpressivas que praticamente não contam.
Raciocinem
comigo. Do que vive o escritor? Qual a fonte do seu sustento? O
texto, não é verdade? É da sua escrita que ganha o pão nosso de
cada dia. No entanto, os escritores que conheço jamais se recusam a
atender, quando solicitados, a escreverem textos para publicação
tanto em jornaizinhos de bairros, de paróquias, de sindicatos etc.
quanto para jornais e revistas de grande circulação e nacional.
Estes últimos, claro, faturam com o que eles escrevem. O escritor
não! Isso é generosidade pura, embora muitos confundam com mera
vaidade.
Cada
texto seu, escrito e publicado de graça, equivale à doação, para
quem o lê, do correspondente em dinheiro ao que ele valeria no
mercado. E sempre haverá quem pague. Mas concordo plenamente com o
Daniel Santos, que observou, judiciosamente, em um comentário que
fez num dos meus editoriais: o “escritor não é nenhum mascate”
para comercializar o fruto do seu intelecto e do seu espírito. É,
pois, um sujeito sumamente generoso.
Peçam
a um arquiteto que lhes elabore, de graça, uma planta para a
construção de uma casa. Tentem fazer uma consulta grátis com um
advogado ou um médico (a menos que seja num hospital público, no
caso deste último, ou de um membro da defensoria pública, no caso
do primeiro). Não conseguirão, óbvio. E é licito que esses
profissionais cobrem pelo seu trabalho. Como seria, também, no caso
do escritor.
O
“produto” que o homem de letras oferece à sociedade é o mais
nobre e sublime que há. Seus livros, ou textos avulsos, tanto faz se
crônicas, contos e ensaios ou se romances e novelas, mudam a vida
das pessoas que os leem, sem que estas sequer se deem conta. Nós,
humanos, vivemos contínuo processo de metamorfose. Evoluímos, do
nascimento à morte, continuamente. Nunca seremos amanhã o que fomos
ontem.
As
pessoas que conhecemos, os acontecimentos que vivemos e
testemunhamos, as paisagens que vemos, as músicas que ouvimos, as
experiências que temos, as conversas que sustentamos, tudo isso se
incorpora, de uma maneira ou de outra, a nós, e compõe a nossa
personalidade. Por isso não há, e jamais haverá, dois indivíduos
rigorosamente iguais. Suas circunstâncias e experiências serão,
sempre, sempre e sempre diferentes.
Nessa
linha de raciocínio, afirmo, sem receio de exagero, que cada texto
que lemos, mesmo os ruins e os supostamente perniciosos (e não
considero, para o leitor que tenha um mínimo de senso crítico, que
haja algum que possa ser classificado como tal), forma um “pedacinho”
de nós. De alguma maneira, nos modifica e melhora.
Salvo
exceções (e reitero que toda e qualquer regra as têm), nenhum
escritor produz sua obra de olho no dinheiro, embora, insisto, esta
seja a fonte do seu sustento. Este finda por ser mera consequência
do seu trabalho.
O
que ele recebe pelos livros que vende (quando recebe), por exemplo (e
embora este seja um produto caro para os padrões de renda do
brasileiro), por maior que seja essa remuneração, ainda estará
aquém, muito aquém do verdadeiro valor intrínseco que têm. E se
vocês atentarem bem, verão que a maior parte desse fruto da alma e
do intelecto do escritor é oferecida aos leitores absolutamente de
graça.
Só
no Literário, revista eletrônica de Literatura que edito, já
publiquei mais de sete mil textos, de cerca de seiscentos
escritores!!! Fôssemos pagar por isso, a quanto ascenderia o
dispêndio? O valor seria tão alto, dada a qualidade do que nos foi,
generosamente, ofertado, que não haveria em lugar algum dinheiro
suficiente para remunerar a mais ínfima parte dessa produção. E no
entanto... tudo foi ofertado absolutamente de graça. Por que? Por
ideal, por amor à espécie, pelo fato do escritor se deliciar em
fazer arte. Em suma, por generosidade!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
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