Choque de realidade
Muitos
escritores de hoje carecem de um choque de realidade. Precisam deixar
seus confortáveis gabinetes de trabalho e sair para as ruas, praças
e avenidas, onde a vida, de fato, acontece.
Têm
que subir os morros, visitar favelas, mocambos e alagados e conhecer
como parte considerável da população, e não apenas brasileira,
mas mundial, vive neste início de século XXI. Embora cantado e
decantado, em verso e prosa, por pseudoprofetas futuristas, num
passado (não tão remoto assim) como uma era de maravilhas, este
período atual, em linhas gerais não é, no aspecto social, nada,
nada melhor do que seu antecessor. É bastante provável, até, que
tenha se deteriorado ainda mais.
Sempre
quando se toca nesse tema, o referente às carências de quase quatro
bilhões de pessoas, ou seja, de dois terços da humanidade, logo vêm
os “patrulheiros” do politicamente correto apontar seu dedo
acusador, dizendo que quem tem essa ousadia está recorrendo à
“apelação”. Estaria? Claro que não!
As
melhores obras literárias de todos os tempos tiveram, como “pano
de fundo”, a miséria. O que dizer, por exemplo, dessa obra-prima
de Vítor Hugo, que é o romance “Os miseráveis”? Ou de “Notre
Dame de Paris”, traduzida, entre nós, como “O corcunda de Notre
Dame”? Ou dos contos de Máximo Gorki, retratando uma Rússia
pós-revolucionária, miserável e sofrida, que batalhava por justiça
social?
Aliás,
um dos melhores contos que já li desse autor foi “A mãe”, em
que ele retrata, de forma cruamente realista, as dificuldades de uma
jovem adolescente, que vive num miserável cortiço, despreparada
para a maternidade precoce, e que luta, como pode, para assegurar a
sobrevivência do filho paralítico. Este é tão dependente dela,
que traz os pés em carne viva, mordidos por ratos, os quais não tem
força para espantar e impedir que lhe causem danos como este.
Há
casos em que protagonistas se transformam em narradores. Em que
personagens, sem abrirem mão de seus papéis, invadem nosso domínio
e assumem a condição de escritores, para relatar, em toda a sua
crueza, a miséria que lhes é corriqueira.
Carolina
Maria de Jesus foi uma dessas pessoas. Dizem que seu livro, “Quarto
de despejo”, publicado no início dos anos 60, é, até hoje, o
maior best-seller brasileiro de todos os tempos, informação que não
posso comprovar ou desmentir, por não contar com dados precisos a
respeito.
Mas
esse diário de uma catadora de papéis, semianalfabeta, negra, pobre
e favelada, vendeu milhões de exemplares, foi traduzido para
diversas línguas, deu projeção nacional e internacional à autora
e fez com que, temporariamente, tivesse uma vida melhor. Mas,
cruelmente, ela foi devolvida, em pouco tempo, à sua hedionda
realidade e findou por morrer na miséria, a mesma com a qual
conviveu a vida toda. O que foi feito com o fantástico lucro gerado
por seu livro? Ninguém sabe e ninguém viu.
Tenho
em mãos um poema, que me foi enviado, em 2007, pela jornalista Diana
Lima, escrito por Sílvio Luiz Monteiro de Oliveira, que compartilho
com você, prezado leitor. E o que ele tem de diferente? Tem lá suas
imperfeições técnicas, sem dúvida. Pode nem ser um primor de
versificação (não pretendo entrar nesse mérito). Mas traz algo
que nós, escritores, perseguimos incansavelmente e nem sempre
conseguimos: o selo da autenticidade. Porquanto, foi escrito por um
morador de rua, um dos milhões de “homeless” (forma chique de
caracterizar os sem-teto), espalhados pelo mundo afora.
Notem
o grau de informação e de consciência da realidade mundial dessa
vítima do mais terrível dos “apartheids”, o social, que
possivelmente nem esteja mais viva, talvez consumida por alguma
doença simples, que costuma ceifar organismos judiados e
enfraquecidos como o seu.
O genocídio do mundo
A
humanidade está com planos
"Em
ações coordenadas por diretores
Muitos
mortos! Em poucos anos!
O
porquê?... Destas inspirações dos escritores?
As
mortes de coletividades são reportagens
Noventa
e duas mil pessoas! Tibet
Oitenta
e oito mil pessoas! Índia
Cem
mil pessoas! Iraque
A
humanidade perde pessoas de renome
Flora
e fauna e o patrimônio histórico
Da
humanidade sendo destruídos
Mas!
As mãos artesanais continuam
Esta
é a visão para os escritores realistas
No
realismo seus escritores observam
Esta
conduta humana, qual é a inspiração:
Revolta,
extremismo, omissão ou negligência
Com
todos estes fenômenos, os escritores
Escrevem
suas poesias com reflexão ou inspiração
Sua
vida está em situação de risco
Sua
poesia torna-se eletromagnética
Inspiração
ou reflexão se tornam poesias
Quem
lê? Sua emoção é a paixão
Irradiada
ao seu semelhante
Esta
paixão sentida, sem amor ou ódio”.
Estou,
pois, certo ou não estou? Boa parte dos nossos escritores precisa ou
não, urgentemente, de um demorado “banho de realidade”? Claro
que sim! Só assim talvez esses privilegiados “homens de letra”
deixem de lado as tantas e tantas histórias de vampiros, lobisomens,
chupa-cabras e outras abobrinhas mais e tratem, finalmente, do que
está bem debaixo dos seus narizes, mas que teimam em não enxergar.
Boa leitura!
O Editor.
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