A saudosa revista do Esporte
Clube
* Por Urda Alice Klueger
Como leitora contumaz que
sou, aprendi a duras penas não andar aí pelo mundo sem um bom
estoque de livros na mala. Tudo começou quando fui passar um mês em
Paris: aprendera a falar e a pensar em francês, num método muito
interessante, mas não aprendi a ler. Até que decifrar um mapa do
metrô eu conseguia – mas ler Emile Zola ou Marcel Proust no
original, nem pensar. Era-me tão quase tão difícil quanto o chinês
ler a boa língua de Clóvis e do Império Merovíngio. Só fui
aprender, mesmo, a ler francês, já no terceiro milênio. E não
tinha comigo nem mesmo uma revistinha – tudo o que havia na minha
mala, no começo, era um caderno onde pretendia escrever um diário.
Então passei dias e dias
frequentando os inúmeros Sebos ao longo do Rio Sena e entrando em
todas as livrarias, e perguntando:
- Vous avez quelque chose en
Portugais?
- Non, madame! – era a
resposta invariável.
Restava-me sentar em algum
bistrô, toda murcha, e escrever o meu diário.
Um dia, lá estava a placa:
“Temos livros em Português”! Entrei na livraria como um bólido,
e um francês muito mal humorado mostrou-me os livros: eram
dicionários e gramáticas. Não dava, né? E continuei a voltar para
o hotel às dez da noite sem nada para ler, e era maio, e só
anoitecia às onze da noite, e, incrivelmente, eu tinha que ir dormir
sem nadica de nada para ler com pleno sol no céu. (Não pensem vocês
que a famosa noite parisiense vai até tarde: mesmo os famosos
cabarés como o Lido e o Moulin Rouge têm seus shows às nove da
noite, não importa a hora em que anoiteça!)
Então, um dia, tinha que ir a
um banco brasileiro que fica em La Défense, o quarteirão
ultramoderno de Paris, lá onde fica o Arco do Triunfo dos 200 anos
da Revolução Francesa. Tal banco tem filial em Blumenau e o pessoal
daqui mandara recados e encomendas para os amigos de lá.
Aguardei pelo gerente numa
sala de espera onde havia nada mais nada menos que... uma revista do
esporte clube daquele banco!
Atendeu-me o gerente, o
Peirão, que me disse que o sobrenome da família tinha sido
adulterado pelo tempo, que eles eram, mesmo, Perrone, e que seu avô
era nascido em Tijucas/SC. Todo gentilezas, ele perguntou o que mais
podia fazer por mim. Ai, meu coração tremia quando pedi cheia de
timidez e emoção:
- Posso levar aquela revista
que está aí na sala de espera?
Com a gentileza de todo aquele
que tem um pé em Tijucas, é claro que ele me deu a revista. E eu
fui para o hotel abraçando-a ao peito como quem abraça um tesouro.
E então, até o fim da
viagem, a cada noite, eu lia um pedacinho da revista, bem devagarinho
para ela durar mais. E o que lia?
Como aquele banco tem sede em
São Paulo, lia coisas assim: “O Esporte Clube de Marília ganhou
de 3 x 1 do Esporte Clube Guaratinguetá”. “O Esporte Clube
Campinas trouxe a Xuxa até sua sede no dia da criança”. “O
Esporte Clube de Sertãozinho promoveu uma churrascada para os seus
sócios”.
Meu, como aquilo era bom!
Tratava-se de uma revista velha, que eu não leria aqui no Brasil por
nada, mas que naquelas alturas era o meu grande elo com este país do
meu coração, algo que reafirmava as minhas raízes e me deixava
cheinha de emoção! Noite após noite, enquanto a noite cheia de sol
de Paris continuava lá fora, eu economizava a revista e lia só um
pouquinho, e ela era uma ponte para eu poder voltar e estar um pouco
no Brasil, onde auferia forças para o novo dia sem leitura.
Naquela ocasião, eu aprendi
uma grande lição para sempre: não se sai da terra da gente sem
levar junto boas coisas nossas para ler. Hoje, quando ando por aí
pelo mundo, jamais esqueço de levar alguns bons livros. Talvez isto
seja um alerta para quem ainda não começou a viajar. (Se bem que
agora, com a Internet, as coisas mudaram um bocado! – observação
feita em maio/2010).
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
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