Penúltima
morada
*
Por Marcelo Sgu assábia
–
Maluca
essa história da morte do coveiro, heim?
–
Nossa,
nem fala. Sem querer o cara cavou a própria cova. Só de pensar eu
fico arrepiado. O buraco já tinha mais de dois metros e meio quando
ele teve o piripaque. Parece que foi infarto. Caiu lá embaixo,
fraturou o crânio e por ali talvez acabasse ficando, se não
sucedesse o imbroglio que veio depois.
–
Eu
fiquei sabendo meio por alto, não sei de detalhes, não.
–
E
olha que ele tinha onde cair morto, meu camarada.
Aliás, melhor lugar impossível para se cair morto. Uma sepultura
perpétua numa quadra nobre do Cemitério da Consolação. Bem no
filé mignon, onde só tem celebridade e aquelas dinastias
quatrocentonas lá da capital.
–
Herança
de família?
–
Sei
lá… eu pensei nisso mas descartei a possibilidade. Se fosse, o
cara seria herdeiro de outras coisas, não só o terreno no cemitério
famoso. E sendo rico não seria coveiro, muito menos aqui nesse fim
de mundo.
–
Lá
isso é.
–
Quando
a fatalidade aconteceu, o defunto da vez estava na boca da cova,
esperando pra descer. A família ficou horrorizada com o infortúnio
do coveiro já que, ainda que indiretamente, foi por abrir o buraco
do ente querido – no bom sentido – que o coitado acabou morrendo.
–
É,
situação embaraçosa. Mas não deu pra segurar o homem caindo, não
teve uma “bambeada” antes de capotar?
–
Nada.
O cabra deu um grito, levou a mão ao peito e tombou rapidinho. Vai
daí que a família confabulou ali mesmo e decidiu enterrar o parente
em outro lugar, oferecendo generosamente o túmulo ao coveiro.
–
Atitude
digna.
–
Sim,
mas aí descobriram o terreno milionário que ele tinha na
Consolação, e acharam que o morto, evidentemente, iria querer ser
enterrado lá.
–
Óbvio.
Imagino que aí tiraram o coveiro da cova e fizeram o traslado para
São Paulo…
–
Seria
o mais lógico a fazer, se houvesse por essas bandas coveiro
sobressalente.
–
Ave
Maria… só tem um na cidade?
–
Se
médico só tem o Doutor Fernandes, como é que coveiro ia ter dois?
Resultado: dois presuntos na fila e ninguém pra enterrar.
–
Calamidade
mórbida, meu amigo.
–
Então…
aí tiveram a ideia de encomendar um carro fúnebre vindo de São
Paulo. Para remover o coveiro da cova, sepultar o outro defunto no
lugar e trasladar o corpo do coveiro para enterrar no Cemitério da
Consolação – no túmulo que é dele por direito.
–
Boa!
Aí resolvia tudo.
–
Mas
não demorou e apareceram uns parentes pobres do coveiro, que moram
aqui na região. Ficaram sabendo do terreno nobre no campo santo
paulistano e resolveram tomar partido e lucrar com a situação.
–
Já
estou até adivinhando: chegaram na família do morto oferecendo a
sepultura de São Paulo.
–
Matou
a charada. E pediram um preço absurdo. Fizeram chantagem emocional,
dizendo que ficar com a sepultura era o mínimo que a família teria
que fazer para se penitenciar da morte do coveiro, que bateu as botas
por causa do parente deles. Bom, eu só sei que já são mais de três
dias de negociação, debaixo de um sol senegalês. E sem previsão
de acordo, por enquanto.
–
Nenhuma
luz até agora?
–
Alguém
sugeriu que o padre faça um “cara ou coroa”, para decidir
celestialmente a parada. O padre concordou, contanto que tivesse a
autorização do bispo – que foi operado e está nas últimas,
segundo o mais recente boletim médico.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Mais um caso "insolucionável" e mórbido.
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