Depois
de tudo
*
Por Emanuel Medeiros Vieira
“Quando
morto estiver meu corpo, evitem os inúteis disfarces os disfarces
com que os vivos procuram apagar no morto o grande castigo da morte
(…)
Descubram
bem minhas mãos!
Meus
amigos, olhem as mãos!
Onde
andaram, o que fizeram, em que sexos demoraram seus dedos sabidos?
(…)
Quero ser um tal defunto, um morto tão acabado, tão aflitivo e
pungente que possam ver, os meus amigos, que morre-se do mesmo jeito
como se vão os penetras escorraçados, as prostitutas recusadas, os
amantes despedidos, que saem enxotados mas voltariam sem brio a
qualquer gesto de chamada.
Meus
amigos, tenham pena – senão do morto ¬- ao menos dos dois sapatos
do morto. Olhem bem para eles. E para os vossos também!”
(PEDRO
NAVA (1903-1984) - (“O Defunto”)
Depois
de tudo. Quando será? Sempre acreditamos que nos salvaremos pela
memória. Como saberemos?
A vida é menos heroica, não napoleônica.
É só ela. Nascer do
sol, pôr do sol. E escrevemos. Todos já escreveram.
São toneladas de meditações. E, no fundo, nunca entendemos.
Nunca entenderemos.
O que queria dizer? Tudo e nada. E o que consegui escrever, é quase menor do que a epígrafe de mestre Pedro Nava (bem melhor,¬ diz tudo e não engana ninguém).
Porque na vida social precisamos de disfarces, blindagens, camuflagens, representações, máscaras.
Alguém disse que envelhecer não é para frouxos.
Estar doente, com
enfermidade incurável, também não é.
Uma pessoa pediu que eu
tivesse mais fé.
Para quem não está doente, está fora de ti
e das tuas dores diárias, é mais fácil…
Nós sabemos (e NÃO queremos “saber”) QUE TODA A DOR HUMANA É INTRANSFERÍVEL.
Ninguém carregará os nossos trambolhos e fardos ¬ por mais solidariedade que tiverem.
Não
tenho mais idade (ou paciência) para dissimulações.
O ser que
me pediu mais fé talvez tenha razão.
Mas somos o que somos.
Há que viver cada dia (e ainda agradecer).
Existem seres amados,
sol, um pássaro.
Viver também não é fácil ¬ e só digo um
clichê, uma platitude, nada de novo.
O diabo sempre ri para mim e pergunta-me se o Deus que me foi ensinado não irá aliviar as minhas dores…
Eu fico em silêncio e, no
geral, leio um poema e (pelas minhas raízes) a oração de São
Miguel Arcanjo, e tento rezar a prece de São Francisco de Assis, que
sempre foi o santo de minha predileção. Seria bom ter a fé de
guri.
Lamento (mesmo tendo ido à Itália três vezes - na
primeira, fugindo da nossa ditadura- não ter ido à cidade natal de
Francisco). Ficará para uma outra vida… E ninguém quer ir embora…
Como disse o bardo inglês (tantas vezes citado) “o resto é silêncio”. Depois de tudo…
(Brasília,
setembro de 2018)
*
Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em
Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do
efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo
nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava
simpósios”, entre outros. Foi indicado
ao Prêmio Nobel de Literatura de 2018.
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