quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Misterioso fascínio - Pedro J. Bondaczuk


Misterioso fascínio


* Por Pedro J. Bondaczuk


Eu nunca consegui entender a razão do futebol, esporte relativamente recente (pelo menos com as 17 regras atuais que o regulam) – originalmente voltado à elite – despertar tamanho interesse, fascínio e, sobretudo, paixão.

Num piscar de olhos, em somente 172 anos de existência (foi oficializado em 1846, do jeito que o conhecemos na atualidade, na Inglaterra), ou seja, no tempo de apenas cinco ou seis gerações, se tornou foco de atração para, no mínimo, dois terços dos 7,6 bilhões de habitantes do Planeta.

A FIFA, hoje, por exemplo, tem número maior de membros do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Por que? Para mim, é um mistério. Estima-se que mais de quatro bilhões de pessoas acompanharam, ou pela televisão, ou por rádio, ou por outro meio qualquer, a Copa do Mundo da Rússia. Nenhum outro tipo de espetáculo, seja artístico, seja esportivo ou de que natureza for, sequer se aproxima dessas cifras.

Há quem garanta (vejam só), que o futebol (ou coisa remotamente parecida com ele), surgiu na China (que futebolisticamente, convenhamos, deixa tudo a desejar e é um zero à esquerda), entre os anos de 3000 e 2500 AC. Vá lá! Que seja! Da minha parte, considero como data da sua verdadeira criação a ocasião em que foi regulamentado e ganhou suas 17 regras, com as quais os árbitros tomam suas decisões (ao menos teoricamente, pois na prática...). Ou seja, o ano de 1846.

Nesta altura, a bola está “pingando” a caráter para um sem-pulo a gol e não vou deixar passar a oportunidade. O tema enseja-me algumas considerações, digamos, históricas, posto que sem o rigor do historiador.

Pode-se dizer, sem grandes margens para erro, que a Grécia Antiga foi o verdadeiro berço dos esportes de competição. Desses que, ao final das disputas, emerge um vencedor, mas em que o perdedor não é sacrificado. Ou seja, pelo menos permanece vivo e fisicamente incólume.

Considera-se, oficialmente, que as primeiras modalidades esportivas surgiram com os também primeiros Jogos Olímpicos, disputados ao pé do Monte Olimpo, em homenagem ao deus Zeus. E isso ocorreu em 776 AC, ou por volta desse ano.

O objetivo primário era o de adestrar os jovens e os soldados gregos, desenvolvendo suas habilidades físicas e um saudável espírito de competição. Isto é, ensiná-los tanto a vencer, quanto a perder, ambas as coisas muito importantes, quer nos esportes, quer, e principalmente, na vida. A isso convencionou-se chamar de “espírito esportivo”.

Até então, diga-se de passagem, tanto na Grécia, quanto (e principalmente) entre outros povos, não havia nada sequer parecido com o conceito de esporte. Ninguém se exercitava por prazer, ou para se adestrar, ou para competir. Os exercícios executados pelo homem tinham, todos, motivação prática. Eram involuntários, ditados pela necessidade e pelas circunstâncias. Destinavam-se, por exemplo, à busca de caça para assegurar a sobrevivência ou à defesa pessoal, da tribo e do patrimônio, nas guerras.

Sobre as modalidades olímpicas primitivas, um excelente texto que encontrei no site Historianet (www.historianet.com.br) nos informa, com grande objetividade, quais eram. Diz: “Os primeiros jogos limitavam-se a uma única corrida com cerca de 192 metros. Em 724 AC, introduziu-se uma nova modalidade, semelhante aos atuais 400 metros rasos. Em 708 AC, acrescentou-se o pentatlo (competição formada por cinco modalidades atléticas, incluindo-se a luta livre, salto de distância, corrida, lançamento de disco e lançamento de dardo) e, posteriormente, o pancrácio (luta similar ao boxe. (...) Em 608 AC, foi incluída a corrida de carros”.

Observe-se que nenhum desses esportes era coletivo. Era cada um por si... Mas os maias antigos, do outro lado do mundo, na América do Norte e parte da América Central (os mesmos que hoje estão tão populares por terem supostamente previsto o fim do mundo para 21 de dezembro de 2012), no auge da sua civilização, contavam com uma modalidade esportiva muito popular na ocasião. Era um jogo de bola que, forçando um pouco a barra, podemos dizer que misturava um tanto de futebol e outro tanto de basquete, sem ser, propriamente, nem uma e nem outra dessas modalidades.

Até hoje existem vestígios dos campos em que se praticavam esse esporte, popularíssimo na época que, na verdade, tinha o caráter de ritual religioso (dos mais selvagens e dramáticos). Tanto que eles se situavam, quase sempre, no recinto de algum templo – como o de Tonina, na atual cidade mexicana de Chiapas. Um dos maiores deles localizava-se no interior do complexo sagrado de Chichén Itzá.

O jogo era disputado por duas equipes, com sete jogadores cada, sendo um deles o capitão. Os atletas maias podiam tocar na bola – grande e feita de látex concentrado – apenas com os pés e os quadris. O objetivo era colocá-la por entre um dos três arcos de pedra, ornados de duas serpentes que se entrelaçavam, com a cabeça e a cauda quase se tocando, que ficavam a uma altura de cerca de vinte metros. Requeria, pois, muita habilidade e força dos participantes.

Cada jogador trajava sua mais rica veste, não raro com adornos de guerra. Todavia, não era bom negócio vencer as partidas. Vejam só, o capitão da equipe vencedora (justo ele), em vez de receber algum prêmio, alguma medalha, homenagem ou taça, era sacrificado ao término do jogo, em honra aos deuses. Eu, hein!!!

Terminada a disputa, esse atleta, geralmente o de maior destaque por sua habilidade e força, ajoelhava-se junto à bola e era decapitado, com um só golpe certeiro, pelo sacerdote. O jogo, pois, estava diretamente ligado à ideia de morte. O curioso é que os times sempre se empenhavam ao máximo pela vitória. Os capitães sentiam-se sumamente honrados por poderem oferecer suas vidas às cruéis e sanguinárias divindades maias. Ah, se a moda pega!

Por essas e outras, prefiro, um trilhão de vezes, o futebol, mesmo que se trate de uma partida chatérrima, de dois times pernas de pau, com um árbitro desses horrorosos (que a gente vê por aí apitando jogos do Campeonato Brasileiro), que resulte num deprimente e sonolento zero a zero. Nele, pelo menos, entre “mortos e feridos”, todos se salvam.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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