Misterioso fascínio
* Por Pedro J. Bondaczuk
Eu
nunca consegui entender a razão do futebol, esporte relativamente
recente (pelo menos com as 17 regras atuais que o regulam) –
originalmente voltado à elite – despertar tamanho interesse,
fascínio e, sobretudo, paixão.
Num
piscar de olhos, em somente 172 anos de existência (foi oficializado
em 1846, do jeito que o conhecemos na atualidade, na Inglaterra), ou
seja, no tempo de apenas cinco ou seis gerações, se tornou foco de
atração para, no mínimo, dois terços dos 7,6 bilhões de
habitantes do Planeta.
A
FIFA, hoje, por exemplo, tem número maior de membros do que a
Organização das Nações Unidas (ONU). Por que? Para mim, é um
mistério. Estima-se que mais de quatro bilhões de pessoas
acompanharam, ou pela televisão, ou por rádio, ou por outro meio
qualquer, a Copa do Mundo da Rússia. Nenhum outro tipo de
espetáculo, seja artístico, seja esportivo ou de que natureza for,
sequer se aproxima dessas cifras.
Há
quem garanta (vejam só), que o futebol (ou coisa remotamente
parecida com ele), surgiu na China (que futebolisticamente,
convenhamos, deixa tudo a desejar e é um zero à esquerda), entre os
anos de 3000 e 2500 AC. Vá lá! Que seja! Da minha parte, considero
como data da sua verdadeira criação a ocasião em que foi
regulamentado e ganhou suas 17 regras, com as quais os árbitros
tomam suas decisões (ao menos teoricamente, pois na prática...). Ou
seja, o ano de 1846.
Nesta
altura, a bola está “pingando” a caráter para um sem-pulo a gol
e não vou deixar passar a oportunidade. O tema enseja-me algumas
considerações, digamos, históricas, posto que sem o rigor do
historiador.
Pode-se
dizer, sem grandes margens para erro, que a Grécia Antiga foi o
verdadeiro berço dos esportes de competição. Desses que, ao final
das disputas, emerge um vencedor, mas em que o perdedor não é
sacrificado. Ou seja, pelo menos permanece vivo e fisicamente
incólume.
Considera-se,
oficialmente, que as primeiras modalidades esportivas surgiram com os
também primeiros Jogos Olímpicos, disputados ao pé do Monte
Olimpo, em homenagem ao deus Zeus. E isso ocorreu em 776 AC, ou por
volta desse ano.
O
objetivo primário era o de adestrar os jovens e os soldados gregos,
desenvolvendo suas habilidades físicas e um saudável espírito de
competição. Isto é, ensiná-los tanto a vencer, quanto a perder,
ambas as coisas muito importantes, quer nos esportes, quer, e
principalmente, na vida. A isso convencionou-se chamar de “espírito
esportivo”.
Até
então, diga-se de passagem, tanto na Grécia, quanto (e
principalmente) entre outros povos, não havia nada sequer parecido
com o conceito de esporte. Ninguém se exercitava por prazer, ou para
se adestrar, ou para competir. Os exercícios executados pelo homem
tinham, todos, motivação prática. Eram involuntários, ditados
pela necessidade e pelas circunstâncias. Destinavam-se, por exemplo,
à busca de caça para assegurar a sobrevivência ou à defesa
pessoal, da tribo e do patrimônio, nas guerras.
Sobre
as modalidades olímpicas primitivas, um excelente texto que
encontrei no site Historianet (www.historianet.com.br)
nos informa, com grande objetividade, quais eram. Diz: “Os
primeiros jogos limitavam-se a uma única corrida com cerca de 192
metros. Em 724 AC, introduziu-se uma nova modalidade, semelhante aos
atuais 400 metros rasos. Em 708 AC, acrescentou-se o pentatlo
(competição formada por cinco modalidades atléticas, incluindo-se
a luta livre, salto de distância, corrida, lançamento de disco e
lançamento de dardo) e, posteriormente, o pancrácio (luta similar
ao boxe. (...) Em 608 AC, foi incluída a corrida de carros”.
Observe-se
que nenhum desses esportes era coletivo. Era cada um por si... Mas os
maias antigos, do outro lado do mundo, na América do Norte e parte
da América Central (os mesmos que hoje estão tão populares por
terem supostamente previsto o fim do mundo para 21 de dezembro de
2012), no auge da sua civilização, contavam com uma modalidade
esportiva muito popular na ocasião. Era um jogo de bola que,
forçando um pouco a barra, podemos dizer que misturava um tanto de
futebol e outro tanto de basquete, sem ser, propriamente, nem uma e
nem outra dessas modalidades.
Até
hoje existem vestígios dos campos em que se praticavam esse esporte,
popularíssimo na época que, na verdade, tinha o caráter de ritual
religioso (dos mais selvagens e dramáticos). Tanto que eles se
situavam, quase sempre, no recinto de algum templo – como o de
Tonina, na atual cidade mexicana de Chiapas. Um dos maiores deles
localizava-se no interior do complexo sagrado de Chichén Itzá.
O
jogo era disputado por duas equipes, com sete jogadores cada, sendo
um deles o capitão. Os atletas maias podiam tocar na bola – grande
e feita de látex concentrado – apenas com os pés e os quadris. O
objetivo era colocá-la por entre um dos três arcos de pedra,
ornados de duas serpentes que se entrelaçavam, com a cabeça e a
cauda quase se tocando, que ficavam a uma altura de cerca de vinte
metros. Requeria, pois, muita habilidade e força dos participantes.
Cada
jogador trajava sua mais rica veste, não raro com adornos de guerra.
Todavia, não era bom negócio vencer as partidas. Vejam só, o
capitão da equipe vencedora (justo ele), em vez de receber algum
prêmio, alguma medalha, homenagem ou taça, era sacrificado ao
término do jogo, em honra aos deuses. Eu, hein!!!
Terminada
a disputa, esse atleta, geralmente o de maior destaque por sua
habilidade e força, ajoelhava-se junto à bola e era decapitado, com
um só golpe certeiro, pelo sacerdote. O jogo, pois, estava
diretamente ligado à ideia de morte. O curioso é que os times
sempre se empenhavam ao máximo pela vitória. Os capitães
sentiam-se sumamente honrados por poderem oferecer suas vidas às
cruéis e sanguinárias divindades maias. Ah, se a moda pega!
Por
essas e outras, prefiro, um trilhão de vezes, o futebol, mesmo que
se trate de uma partida chatérrima, de dois times pernas de pau, com
um árbitro desses horrorosos (que a gente vê por aí apitando jogos
do Campeonato Brasileiro), que resulte num deprimente e sonolento
zero a zero. Nele, pelo menos, entre “mortos e feridos”, todos se
salvam.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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