Querer e saber esperar
A
esperança, ao lado do amor, é, provavelmente, o sentimento mais
citado em literatura. Ao longo desta reflexão, mencionarei diversos
escritores, com suas respectivas observações e conclusões a
propósito do tema. Vocês vão notar que a maioria é constituída
por poetas. Pudera! Esses “mascates de ilusões” são
incorrigíveis sonhadores. Todavia, esse sentimento, que o povo jura
que é o “último que morre”, aparece, implícita ou
explicitamente, em todos os tipos de textos. Abordei-o vezes sem
conta, quer em poemas, quer em contos, crônicas e ensaios. Mas, a
despeito de tão profusas abordagens, ele nunca se esgota, sempre
apresenta algum ângulo novo e original a ser apreciado.
A
esperança, ao contrário do que se pensa, não é algo apenas
subjetivo e, portanto, sem fundamento prático (a menos que, aquilo
que esperamos alcançar, seja impossível). Ela é fruto da nossa
intuição, que “sabe” que o que tanto desejamos está ao alcance
das nossas mãos. Apenas desconhece “como” fazer isso. Daí esse
sentimento ser tão persistente e consolador. William Shakespeare
escreveu, numa de suas tantas peças: “A esperança, muitas vezes,
é um cão de caça sem pistas”. E é mesmo. Ou seja, ela sente o
“faro” do alvo, embora não saiba onde ele se encontra. Para
encontrá-lo, requer-se persistência, constância e, acima de tudo,
ação.
A
esperança, desprovida de atos, é inócua. Não raro, é sucedida
pelo desespero. Portanto, quem espera um amor, uma amizade, uma
promoção ou um emprego (não importa), tem que se esmerar na sua
procura. O “cão de caça” apenas fareja a pista. Compete ao
caçador encontrá-la.
A
esperança é fidelíssima companheira que nunca nos abandona, nem
nos piores momentos e circunstâncias. Impede que venhamos a dar
qualquer batalha por perdida – quer seja no amor, no esforço pela
sobrevivência ou no empenho por um mundo melhor e mais justo –
retemperando nossas forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos
e na alma e nos exortando a prosseguir.
Esperamos
neste mundo e em outro que, mesmo que não exista no terreno
concreto, passa a existir em nosso coração e mente. Abrimos mão de
muita coisa, ao longo da vida, premidos pelas circunstâncias, mas
jamais nos separamos dessa companheira dileta e leal, que independe
de qualquer lógica ou razão, chamada esperança. E fazemos bem em
agir dessa maneira. A consagrada poetisa chilena Gabriel Mistral
arremata o poema “Dá-me tua mão” com estes versos a propósito:
“Chamas-te
Rosa e eu Esperança;
porém
teu nome esquecerás,
porque
seremos uma dança
sobre
a colina e nada mais”.
Ninguém
tem o direito de abrir mão da esperança, embora ela, isoladamente,
reitero, sem uma ação concreta que a acompanhe, jamais mudará para
melhor a situação de ninguém. Nos momentos cruciais, temos que
agir com sabedoria, com coragem e com determinação e jamais sofrer
por antecipação com as dificuldades potenciais vindouras. É
preciso concentrar todas as nossas energias no hoje. O amanhã será
o capítulo da biografia de cada um, que será escrito de acordo com
o seu ânimo de ser forte, e não se deixar abater, ou fraco, e ser
esmagado pela vida. Claro que devemos apostar na força, naquela
reserva íntima que temos e que em geral sequer nos damos conta, para
que possamos viver, e quando chegar a hora morrer, com coragem e com
dignidade.
Algumas
pessoas, em momentos de extrema aflição pelos quais todos passamos,
julgam terem perdido tudo o que tinham, quer no plano material, quer
no espiritual, inclusive a esperança. Estão enganadas! Desconhecem
o momento seguinte, o próximo segundo, em que, à sua revelia, tudo
pode mudar para melhor.
A
vida é assim: constituída de imprevistos. Ademais, é essa
imprevisibilidade que lhe dá encanto. A esperança, mesmo que não
acreditemos, nunca nos deixa. Às vezes esconde-se, como uma
garotinha travessa, à espera de ser encontrada. Mas está sempre
ali, presente, nos cutucando as costas e nos forçando a agir. É
fidelíssima. O poeta salvadorenho, Carlos Enrique Ungo, escreveu o
seguinte poema a respeito, cujo título, obviamente, é “A
esperança”:
“Ela
sempre esteve aí
encolhida
entre nós
escondida
e em silêncio/
como
menina travessa
tão
somente à espreita
e
ansiosa para ser descoberta”.
Cultivar
esperanças, pois, é um hábito saudável, mas torno a lembrar que
requer algumas cautelas, sem as quais corremos o risco de descambar
para frustrações, amarguras e profunda infelicidade. Por exemplo,
devemos esperar o que seja possível, realizável, factível e
alcançável e sem impor prazos para que isso aconteça. Mas não
podemos e nem devemos nos limitar apenas a esperar. Precisamos agir,
com prudência e perseverança, no sentido de conseguirmos o que
tanto desejamos, já que nada cai prontinho do céu. E, sobretudo, é
conveniente que nos previnamos da possibilidade de que o que tanto
esperamos não se concretize nunca, para que não nos frustremos.
Nesse caso, nada impede que substituamos uma esperança por outra,
adotando, em relação a ela, as mesmas cautelas e cuidados que
adotamos em relação à que não se realizou. Fernando Pessoa exorta
e adverte a respeito: “Alague seu coração de esperanças, mas não
deixe que ele se afogue nelas”.
Devemos
cultivar, sempre, seja qual for a nossa condição material ou social
ou situação emocional, muitas (se possível infinitas) e radiosas
esperanças, mesmo que elas aparentem ser irrealizáveis e até
absurdas. Seu antônimo, afinal, é o desespero, que é sempre
maléfico e destrutivo e que desestrutura, até, as personalidades
mais sólidas e invulneráveis. Aos infelizes, as esperanças
constituem-se na única ponte capaz de conduzi-los à felicidade. Por
isso, é uma desastrosa tolice abrir mão dessa possibilidade. Se não
atingirem essa condição, pelo menos as esperanças lhes servirão
de precioso (e não raro único) consolo para suas mágoas e
tristezas. E aos felizes, elas também são úteis. Potencializam sua
felicidade, tornando-a mais profunda, intensa e duradoura. Afinal,
como o poeta espanhol, Federico Garcia Lorca, destaca: “O mais
terrível dos sentimentos é o de ter a esperança perdida”.
Portanto, não a percamos jamais!
Não
raro nos desesperamos por pouca coisa, e achamos que, para nós, nada
mais faz sentido. Raros são os que sabem lidar bem com pontuais
fracassos e eventuais frustrações. Nada como um dia depois do
outro! O que conta, mesmo, é a vida que, apesar dos percalços e dos
sofrimentos físicos e morais que eventualmente nos imponha, sempre
vale a pena. Basta que atentemos para o seu real sentido e sua
sublime transcendência.
Concordo
com o que diz Érico Veríssimo, através de um dos seus personagens,
no romance “Olhai os lírios do campo”: “Olha as estrelas.
Sempre há esperança na vida”. Num universo tão imenso – de uma
grandiosidade que a nossa mente até é incapaz de abarcar e entender
– e embora não passemos, nele, de infinitésima partícula, temos
o privilégio de existir. E de ter noção dessa existência. Por
pior que seja a nossa situação, a solução para nossos males pode
estar próxima, no segundo seguinte..
O
ser humano, obra-prima da criação, não foi feito, apenas, para
viver um cotidiano tedioso e banal, em um mundo repleto de violência,
misérias e injustiças. Todavia, para que alcance a grandeza que lhe
foi destinada, para que conquiste a nobreza da qual possui pleno
potencial, tem que mudar. Precisa evoluir, e muito, mental,
espiritual e comportamentalmente. Tem que dominar seus instintos.
Deve exercitar, em toda a sua plenitude, com constância e de forma
incansável, a capacidade de amar. Precisa cultivar valores, como a
bondade, solidariedade, justiça e fé e exercitá-los no dia a dia,
transmitindo-os às novas gerações. O poeta Mauro Sampaio diz isso
de forma sábia e bela, nestes versos do seu poema “Esperança”:
“Um
dia
os
montes se abaterão aos nossos pés
e
levantaremos do chão as estrelas caídas!”.
Compete
ao ser humano identificar, valorizar e viver a plena felicidade, que
existe, latente, dentro de si.
Gustave
Flaubert afirmou, pela boca de um dos seus personagens, que “a
recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço
como se olhou para o alto da torre”. E o romancista francês está
coberto de razão. Quando temos esperança, olhamos para o alto, na
certeza de que, aquilo que tanto queremos, vai, de fato, acontecer,
sendo apenas questão de tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda
assim, a sensação que nos fica é das mais doces.
Quando
recordamos, porém, pensamos em algo que já passou, que aconteceu,
que foi bom enquanto durou, mas que se acabou, sem chance de retorno.
Considero, pois, a recordação mais frustrante e amarga do que a
esperança. Mesmo que seja agradável, traz, implícito, um
sentimento de perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu
turno, por mais louca que seja, nos abstrai da realidade,
principalmente quando esta é amarga e dura, e sempre nos serve de
bem-vindo consolo.
Há
pessoas tão desencantadas face aos seus sofrimentos, aos tropeços
que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que
colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida.
Estão erradas. No fundo, bem no âmago de seus corações,
escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as
acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente. Até
mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor,
esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação.
Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso
é bastante corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até
despercebida, porém mais forte e vigorosa.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nunca tinha imaginado que o lado oposto da esperança, que é futuro, seria lembrança de algo bom do passado. Mais interessante ainda é que você acha que mesmo boas lembranças não são tão boas quanto ter esperança. Bem original.
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