quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Símbolo dos extremos - Pedro J. Bondaczuk


Símbolo dos extremos

* Por Pedro J. Bondaczuk

O tempo, mero símbolo abstrato que, no entanto, tem efeitos concretos, sempre se constituiu, para mim, simultaneamente, em mistério (não consigo apreendê-lo em seu real significado) e fascínio. É, sobretudo, enorme paradoxo: constrói universos, galáxias, sóis, planetas e satélites, mas tudo destrói na sequência, sem poupar nada e ninguém. Creio que foi o assunto sobre o qual mais escrevi até hoje, e nunca cheguei a uma conclusão definitiva a seu respeito. Jamais chegarei. Poetas e filósofos vêm abordando esse símbolo, este paradoxo, essa metáfora desde a invenção da escrita, com os mesmos resultados. Ou seja, nenhum. Físicos utilizam-no como uma das variáveis para o cálculo, por exemplo, de velocidade e de outros elementos. E místicos afirmam que se trata da manifestação de Deus. Quem tem razão? Todos? Alguns poucos? Ninguém?

O poeta romano Ovídio, por exemplo, (cujo nome por extenso era Publius Ovidius Naso), que viveu entre 43 AC e 18 AD, e que foi banido de Roma pelo imperador Augusto por seus poemas eróticos, tidos como pornográficos e imorais (e isso numa Roma em que a pornografia permeava a vida de todos os cidadãos!), escreveu a respeito, no magistral poema mitológico “Metamorfoses”: “Tempus edax omnium rerum”. Ou seja, traduzindo para o português: “O tempo tudo destrói”. Deixou implícito, todavia, seu caráter construtor. Alguma coisa, para ser destruída, tem que existir. E para ter existência, precisa ser criada. E essa criação se dá num tempo. Embora sejam constatações óbvias, não nos damos conta delas. Digam-me: o que o tempo preserva pela eternidade? Nada! Rigorosamente nada! A eternidade é a maior e mais incompreensível das abstrações.

O filósofo Voltaire, figura das mais controvertidas, mas que não reluto em classificar de gênio, foi, por seu turno, mais específico sobre o tema. Destacou a natureza paradoxal do tempo. Caracterizou-o como o símbolo dos extremos. Escreveu: “Entre todas as coisas do universo, o tempo é – ao mesmo tempo – a mais longa e a mais curta, a mais rápida e a mais vagarosa. Pode ser dividido em partes infinitesimais ou pode ser toda a eternidade”. E não é verdade?

Muito antes de Voltaire, o rei Salomão, tido e havido como o homem mais sábio da sua época, já dizia, na sua velhice, depois de conhecer o maior dos sucessos humanos, como riquezas, fama, poder, glória, ou seja, o máximo que uma pessoa possa aspirar, que tudo debaixo do sol tem o seu devido tempo: o de nascer e o de morrer; o de amar e o de detestar; o de agir e o de descansar e vai por aí afora. É uma mensagem direta, simples e até óbvia à qual, no entanto, raramente atentamos. Fracassamos, muitas vezes, em nossos empreendimentos, por querermos colher os frutos prematuramente, quando estes ainda estão verdes e amarram a boca, tendo sabor amargo ou ácido ou adstringente. Deixássemos amadurecê-los e nos deliciaríamos com sua doçura. Devemos ter em mente o tempo certo para realizar o que pretendemos (e saber fazê-lo, claro). Isso não significa adiar indefinidamente nossas realizações. Através da intuição, sabemos o momento certo de agir. O que ocorre é que raramente lhe damos ouvidos. Francis Bacon nos ensina a propósito: “Escolher o seu tempo é ganhar tempo”. E não é?

As noções do infinito e do eterno são tão estranhas e absurdas, para mentes efêmeras e finitas, que não há quem deles tenha a verdadeira compreensão. Pense em alguma coisa – no espaço, por exemplo – que nunca termine, quer em extensão, quer em duração. Você avança, avança e avança e sempre há o que avançar. O tempo passa, passa e passa e sempre há um porvir. Além de ambos não terem fim, não têm princípio. Você retrocede, retrocede, retrocede e nunca chega ao ponto de partida. Por que? Porque não há um!

Só compreenderia essa noção, quem fosse Eterno e Infinito e que criasse essa imensidão sem fim. Esta é minha idéia de Deus (não aquela de um ser iracundo e vingativo, com os mesmos defeitos e paixões que tenho, que emerge do texto bíblico). Se essa noção, por si só, já é complexa, Mauro Sampaio coloca nela ainda mais complexidade, nos versos finais do poema “Meditação para o Ano Novo”:

A última hora, a que esmaga o tempo,
renasce no Tempo.
Chegado o limite, principia o limite do ilimitado,
E aí sim, o Tempo infinito
só cabe no tempo da aceitação.
E este é o milagre:
na última hora do primeiro minuto se resume o infinito!”.

Para nós, efêmeros humanos, o tempo, todo o tempo (não apenas anos, meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos) é bastante precioso, por se tratar do nosso capital de vida. O que fizermos com ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou angústia, felicidade ou infelicidade. Não raro, porém, o “matamos”, com atividades que nada nos acrescentam. Deixamos tarefas que poderiam ser realizadas com calma, planejamento e requinte para “depois” e, às vezes, podemos nem ter esse amanhã. É possível que outras tarefas mais urgentes nos ocupem a atenção e, dessa forma, deixamos de utilizar adequadamente nosso potencial e de, quem sabe, produzir aquela obra-prima que reside em nossa mente e que prometemos fazer num vago “amanhã”. Millôr Fernandes, numa de suas sábias e bem-humoradas tiradas, escreveu, certa feita: “Quem mata o tempo não é assassino: é suicida”. E não está certo? Afinal, agindo assim, suprime um pedaço da própria vida, quem sabe o mais precioso de todos.

Sentimos” o tempo por seus efeitos sobre nós. Envelhecemos, o que nos angustia, por uma série de razões. A “decomposição” da aparência, por exemplo, fere nossa vaidade, principalmente se fomos considerados “belos”, quando jovens. Para uns, esse período, que pode ser retardado, mas nunca detido, chega prematuramente. Para outros, tarda mais um pouco, mas não deixa de acontecer, a menos que morra antes de chegar à velhice. E como sabemos que esta chegou? Bem... sabemos. O ator Bob Hope falou dessa certeza de forma bem-humorada, mas nem por isso menos verdadeira. Declarou: “Você sabe que está ficando velho quando as velas começam a custar mais caro do que o bolo”. Pois é, Ovídio tinha razão: “Tempus edax omnium rerum”. E nada, mas nada mesmo podemos fazer para detê-lo…


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk




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