Símbolo dos extremos
* Por Pedro
J. Bondaczuk
O
tempo, mero símbolo abstrato que, no entanto, tem efeitos concretos,
sempre se constituiu, para mim, simultaneamente, em mistério (não
consigo apreendê-lo em seu real significado) e fascínio. É,
sobretudo, enorme paradoxo: constrói universos, galáxias, sóis,
planetas e satélites, mas tudo destrói na sequência, sem poupar
nada e ninguém. Creio que foi o assunto sobre o qual mais escrevi
até hoje, e nunca cheguei a uma conclusão definitiva a seu
respeito. Jamais chegarei. Poetas e filósofos vêm abordando esse
símbolo, este paradoxo, essa metáfora desde a invenção da
escrita, com os mesmos resultados. Ou seja, nenhum. Físicos
utilizam-no como uma das variáveis para o cálculo, por exemplo, de
velocidade e de outros elementos. E místicos afirmam que se trata da
manifestação de Deus. Quem tem razão? Todos? Alguns poucos?
Ninguém?
O
poeta romano Ovídio, por exemplo, (cujo nome por extenso era Publius
Ovidius Naso), que viveu entre 43 AC e 18 AD, e que foi banido de
Roma pelo imperador Augusto por seus poemas eróticos, tidos como
pornográficos e imorais (e isso numa Roma em que a pornografia
permeava a vida de todos os cidadãos!), escreveu a respeito, no
magistral poema mitológico “Metamorfoses”: “Tempus edax omnium
rerum”. Ou seja, traduzindo para o português: “O tempo tudo
destrói”. Deixou implícito, todavia, seu caráter construtor.
Alguma coisa, para ser destruída, tem que existir. E para ter
existência, precisa ser criada. E essa criação se dá num tempo.
Embora sejam constatações óbvias, não nos damos conta delas.
Digam-me: o que o tempo preserva pela eternidade? Nada! Rigorosamente
nada! A eternidade é a maior e mais incompreensível das abstrações.
O
filósofo Voltaire, figura das mais controvertidas, mas que não
reluto em classificar de gênio, foi, por seu turno, mais específico
sobre o tema. Destacou a natureza paradoxal do tempo. Caracterizou-o
como o símbolo dos extremos. Escreveu: “Entre todas as coisas do
universo, o tempo é – ao mesmo tempo – a mais longa e a mais
curta, a mais rápida e a mais vagarosa. Pode ser dividido em partes
infinitesimais ou pode ser toda a eternidade”. E não é verdade?
Muito
antes de Voltaire, o rei Salomão, tido e havido como o homem mais
sábio da sua época, já dizia, na sua velhice, depois de conhecer o
maior dos sucessos humanos, como riquezas, fama, poder, glória, ou
seja, o máximo que uma pessoa possa aspirar, que tudo debaixo do sol
tem o seu devido tempo: o de nascer e o de morrer; o de amar e o de
detestar; o de agir e o de descansar e vai por aí afora. É uma
mensagem direta, simples e até óbvia à qual, no entanto, raramente
atentamos. Fracassamos, muitas vezes, em nossos empreendimentos, por
querermos colher os frutos prematuramente, quando estes ainda estão
verdes e amarram a boca, tendo sabor amargo ou ácido ou
adstringente. Deixássemos amadurecê-los e nos deliciaríamos com
sua doçura. Devemos ter em mente o tempo certo para realizar o que
pretendemos (e saber fazê-lo, claro). Isso não significa adiar
indefinidamente nossas realizações. Através da intuição, sabemos
o momento certo de agir. O que ocorre é que raramente lhe damos
ouvidos. Francis Bacon nos ensina a propósito: “Escolher o seu
tempo é ganhar tempo”. E não é?
As
noções do infinito e do eterno são tão estranhas e absurdas, para
mentes efêmeras e finitas, que não há quem deles tenha a
verdadeira compreensão. Pense em alguma coisa – no espaço, por
exemplo – que nunca termine, quer em extensão, quer em duração.
Você avança, avança e avança e sempre há o que avançar. O tempo
passa, passa e passa e sempre há um porvir. Além de ambos não
terem fim, não têm princípio. Você retrocede, retrocede,
retrocede e nunca chega ao ponto de partida. Por que? Porque não há
um!
Só
compreenderia essa noção, quem fosse Eterno e Infinito e que
criasse essa imensidão sem fim. Esta é minha idéia de Deus (não
aquela de um ser iracundo e vingativo, com os mesmos defeitos e
paixões que tenho, que emerge do texto bíblico). Se essa noção,
por si só, já é complexa, Mauro Sampaio coloca nela ainda mais
complexidade, nos versos finais do poema “Meditação para o Ano
Novo”:
“A
última hora, a que esmaga o tempo,
renasce
no Tempo.
Chegado
o limite, principia o limite do ilimitado,
E
aí sim, o Tempo infinito
só
cabe no tempo da aceitação.
E
este é o milagre:
na
última hora do primeiro minuto se resume o infinito!”.
Para
nós, efêmeros humanos, o tempo, todo o tempo (não apenas anos,
meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos) é bastante
precioso, por se tratar do nosso capital de vida. O que fizermos com
ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou
angústia, felicidade ou infelicidade. Não raro, porém, o
“matamos”, com atividades que nada nos acrescentam. Deixamos
tarefas que poderiam ser realizadas com calma, planejamento e
requinte para “depois” e, às vezes, podemos nem ter esse amanhã.
É possível que outras tarefas mais urgentes nos ocupem a atenção
e, dessa forma, deixamos de utilizar adequadamente nosso potencial e
de, quem sabe, produzir aquela obra-prima que reside em nossa mente e
que prometemos fazer num vago “amanhã”. Millôr Fernandes, numa
de suas sábias e bem-humoradas tiradas, escreveu, certa feita: “Quem
mata o tempo não é assassino: é suicida”. E não está certo?
Afinal, agindo assim, suprime um pedaço da própria vida, quem sabe
o mais precioso de todos.
“Sentimos”
o tempo por seus efeitos sobre nós. Envelhecemos, o que nos
angustia, por uma série de razões. A “decomposição” da
aparência, por exemplo, fere nossa vaidade, principalmente se fomos
considerados “belos”, quando jovens. Para uns, esse período, que
pode ser retardado, mas nunca detido, chega prematuramente. Para
outros, tarda mais um pouco, mas não deixa de acontecer, a menos que
morra antes de chegar à velhice. E como sabemos que esta chegou?
Bem... sabemos. O ator Bob Hope falou dessa certeza de forma
bem-humorada, mas nem por isso menos verdadeira. Declarou: “Você
sabe que está ficando velho quando as velas começam a custar mais
caro do que o bolo”. Pois é, Ovídio tinha razão: “Tempus edax
omnium rerum”. E nada, mas nada mesmo podemos fazer para detê-lo…
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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