Ainda
sobre perguntas
Tratei,
recentemente, do tema que se refere a questionamentos. Ou seja, do
método socrático de se chegar à verdade, de se aprender qualquer
coisa e de se resolver problemas, aparentemente complexos, mas que
após solucionados mostram que “o bicho não era tão feio”
quanto pensávamos, mediante perguntas. Minha abordagem na ocasião
foi genérica. Não se centrou em nenhuma atividade específica,
embora eu tenha enfatizado a importância do ato de perguntar em
especial para nós, jornalistas e, mais especificamente, para os
repórteres, e por razões óbvias.
De
passagem, todavia, mencionei que o método socrático é, também,
sumamente útil (se não indispensável) no planejamento e
concretização de um livro. Nesse aspecto, contudo, fui questionado
por um leitor, o que me deixou bastante satisfeito. Primeiro, por me
comprovar que, ao contrário do que chego a pensar em alguns dias,
não estou “pregando no deserto”. Há quem leia estas reflexões
diárias e com a devida atenção que espero. A segunda é que, para
esclarecer suas dúvidas, se utilizou exatamente do método que
propus em meu texto. Ou seja, o de perguntar.
Antes
de demonstrar quanto os questionamentos importam, são úteis e são
essenciais, peço licença para fazer três citações a propósito,
pinçadas do excelente livro “Pense melhor”, de Tim Hurson (DVS
Editora) – que torno a recomendar e sobre o qual tive oportunidade
de tecer comentários – pela relevância do seu conteúdo. A
primeira é do filósofo inglês, Francis Bacon, que escreveu: “Uma
pergunta prudente é metade da sabedoria”. A razão dessa
constatação é óbvia. Até porque, salvo em raras ocasiões, a
prudência é e sempre será muito bem vinda.
A
segunda citação que reproduzo é do dramaturgo Eugene Ionesco
(sobre o qual também tive a oportunidade de escrever), que afirmou:
“Não é a resposta que ilumina, mas a pergunta”. E ele sabe o
que diz. Essa afirmação aproxima-se mais um pouco do assunto que
vou tratar, ou seja, o da importância do questionamento no
planejamento e produção de um livro.
Finalmente,
a terceira citação é até mais específica ao leitor que me
questionou. Ele iniciou seu e-mail da seguinte forma: “Desculpe-me
se minha pergunta for tola...”. Fique tranquilo,
não é. Contudo, mesmo que fosse, seria válida. Aliás, teria a
validade até multiplicada. Isso, pelo menos a julgar pela declaração
de Alfred North Whitehead. Ele defendeu que “a pergunta tola é o
primeiro indício de algum avanço totalmente novo”. No seu
entender (e também no meu) o questionamento aparentemente (ou de
fato) despropositado, enseja a busca e a solução inusitados de
determinado problema.
Um
escritor, tão logo tem aquele lampejo, eufemisticamente conhecido
como “inspiração”, ou seja, quando conclui que determinado
tema, se bem explorado, pode gerar um livro, quem sabe um
best-seller, se questiona: “Isso dá um romance ou uma novela? Quem
sabe, seja apropriado a um poema. Ou, talvez, seja melhor tratado num
ensaio”. Ou seja, pergunta-se: “Como escrever?”. O “o que”
adveio da inspiração.
Decidido
o gênero, surgem outros tantos questionamentos essenciais. Um deles
é: “o que eu conheço do assunto?”. Mas a pergunta mais
importante é: “o que desconheço?”. A resposta suscita outras
tantas indagações, como “onde posso obter informações a
respeito? Com quem? O que fazer para ter sucesso na pesquisa?”, e
vai por aí afora.
Durante
a redação, muitas outras perguntas, certamente, irão surgir, e
serão as respostas a elas que irão dar alguma forma à matéria
original, a tal da inspiração, que é como uma pedra de granito em
bruto para um escultor, que se pergunta o que poderia esculpir
naquele material.
Mas
os questionamentos não param por aí. Chega a fase da revisão, do
acabamento final, da forma definitiva que aquela vaga ideia
inicial terá, ou seja, como, finalmente, chegará às mãos do
leitor, seu legítimo e essencial destinatário. Revisar, quase
sempre, é um processo de corte. E a primeira pergunta que surge é:
o que cortar? E o que melhorar? O que está obscuro?O
que é supérfluo no texto? E assim as coisas vão.
Sei
que muito escritor dirá que não faz nada disso. Será capaz de
jurar sobre a Bíblia que escreve diretamente, num só sopro e que,
mesmo quando corta algumas palavras, ou parágrafos, ou trechos, ou
até mesmo capítulos inteiros, o faz sem recorrer a esses e a nenhum
outro questionamento. Mas se questiona. Pode ser que não verbalize
essas perguntas. Pode até ser que nem tenha consciência desse auto
interrogatório. Contudo, até subconscientemente, faz, sim, estas (e
outras tantas) perguntas. Não há como não fazê-las.
Concluído
o livro, lá vem outro extenso rol de dúvidas. Por exemplo, como
publicar o que se escreveu. Um escritor, afinal de contas, não
escreve para si ou só para a sua família ou, no máximo, para um
punhado de amigos. Fá-lo para o público e quanto mais amplo e
numeroso este for, melhor. Portanto, a primeira pergunta que se impõe
é: “Como publicar?”. Essa suscita uma outra: “Em que editora?”
E os questionamentos sucedem-se e se multiplicam “ad náusea”,
referentes à distribuição, à divulgação (entre as quais se faz
ou não noite ou tarde de autógrafos), não raro à crítica
etc.etc.etc.
Espero,
com estas canhestras considerações, não ter frustrado o amável
leitor que me questionou. Se não consegui convencê-lo (e espero
tê-lo convencido), esteja certo que a falha não está na sua
pergunta. Não, amigo, ela está longe de ser tola. O erro (se
houver) está, obviamente, na resposta que lhe dei. Se achar
oportuno, torne a me questionar, e quantas vezes quiser. Porquanto, é
de exercícios dialéticos, como este, que emerge o conhecimento, a
sabedoria e a verdade.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @ bondaczuk
Minhas profissões são perguntar, como médica há 39 anos e como jornalista há oito anos.
ResponderExcluir