Salomé
*
Por Martins Fontes
Ora,
em Maqueros, perto da
Terra sagrada de Judá,
Num dia do mês de Shebat*,
Terra sagrada de Judá,
Num dia do mês de Shebat*,
O
tetrarca da Galileia,
Filho de Herodes da Idumeia,
Reúne em magnífica assembleia,
Filho de Herodes da Idumeia,
Reúne em magnífica assembleia,
Vitélio
e vários dentre os seus
Homens e amigos galileus,
E os sacerdotes do seu Deus,
Homens e amigos galileus,
E os sacerdotes do seu Deus,
E
honra o procônsul dos romanos,
Dando um banquete aos soberanos,
No dia egrégio dos seus anos.
Dando um banquete aos soberanos,
No dia egrégio dos seus anos.
A
sala imensa do festim
É toda feita de algumim
Tauxiado de ouro e de marfim.
É toda feita de algumim
Tauxiado de ouro e de marfim.
A
mesa augusta ergue-se ao lado,
E assenta sobre um largo estrado,
Que é de sicômoro lavrado.
E assenta sobre um largo estrado,
Que é de sicômoro lavrado.
Turbando
as chamas e os metais,
Sobem as fúmeas espirais
Dos incensários aromais.
Sobem as fúmeas espirais
Dos incensários aromais.
Brilham
os sifos dos convivas
E altas crisendetas* festivas
Cheias de figos e de olivas.
E altas crisendetas* festivas
Cheias de figos e de olivas.
Veem-se
amêndoas de Belém.
E as áureas ânforas contêm
Os vinhos róseos de Siquém.
E as áureas ânforas contêm
Os vinhos róseos de Siquém.
Pela
extensão da mesa nobre,
Por entre palmas, se descobre
A neve em cíatos de cobre.
Por entre palmas, se descobre
A neve em cíatos de cobre.
Servem-se
polmes de açafrol,
Romãs e tâmaras de Escol,
Bolos de melro e rouxinol.
Romãs e tâmaras de Escol,
Bolos de melro e rouxinol.
Em
cismas lúgubres absorto,
Antipas vê, de longe, o porto
Tranquilo e triste do mar Morto.
Antipas vê, de longe, o porto
Tranquilo e triste do mar Morto.
E
o seu cismar enche-se de
Sombras horríficas, porque
A morte próxima prevê.
Sombras horríficas, porque
A morte próxima prevê.
Contudo,
às vezes conversando,
Disfarça as mágoas; porém, quando
Vai o banquete terminando,
Disfarça as mágoas; porém, quando
Vai o banquete terminando,
O
velário de um pavilhão
Se abre: Herodes no salão
Surge entre anêmonas, então.
Se abre: Herodes no salão
Surge entre anêmonas, então.
E
erguendo a pátera florida,
Diante da sala comovida,
Declama: “A César, longa vida!”
Diante da sala comovida,
Declama: “A César, longa vida!”
É
nesse instante triunfal,
Exatamente no final
Do ágape esplêndido e fatal,
Exatamente no final
Do ágape esplêndido e fatal,
Que,
do fundo das galerias,
Num incêndio de pedrarias,
Desponta a filha de Herodias.
Num incêndio de pedrarias,
Desponta a filha de Herodias.
E
ao som de mandora e quinor,
Num flavescente resplendor
De gemas de Sirinagor,
Num flavescente resplendor
De gemas de Sirinagor,
Entre
os aplausos do delírio,
Virgem e leve como um lírio,
Entra dançando ao modo assírio.
Virgem e leve como um lírio,
Entra dançando ao modo assírio.
Fascinadora,
Salomé
Levanta o véu, que desce até
À asa recurva do seu pé.
Levanta o véu, que desce até
À asa recurva do seu pé.
E
em torcicolos coleantes,
E na volúpia das bacantes,
Tine as crotálias ressoantes.
E na volúpia das bacantes,
Tine as crotálias ressoantes.
Ri-se,
e na dança tem o dom
De deslumbrar, variando com
A ondulação de cada som.
De deslumbrar, variando com
A ondulação de cada som.
Gira
em volteios colubrinos*,
Lentos, elásticos, felinos,
Ao retumbar dos tamborinos.
Lentos, elásticos, felinos,
Ao retumbar dos tamborinos.
Em
tentadora inebriez,
Mostra a morena calidez
Doirada e bíblica da tez.
Mostra a morena calidez
Doirada e bíblica da tez.
Chega-se
a Antipas, e recua…
Ascende aos poucos, e flutua,
Maravilhosa e seminua…
Ascende aos poucos, e flutua,
Maravilhosa e seminua…
Avança
e foge, e vem e vai,
Ondula, e ala-se, e recai
Em posição de quem atrai…
Ondula, e ala-se, e recai
Em posição de quem atrai…
Seu
corpo nimba-se envolvido
Por um translúcido tecido,
Que é como um fluido colorido.
Por um translúcido tecido,
Que é como um fluido colorido.
No
desvario que a seduz,
As mil imagens reproduz
Da flor, dos pássaros, da luz!
As mil imagens reproduz
Da flor, dos pássaros, da luz!
Arfam
na graça dos coleios,
Nos redopios e meneios,
Os pomos pulcros dos seus seios…
Nos redopios e meneios,
Os pomos pulcros dos seus seios…
Ante
o seu mágico poder,
Diz-lhe o tetrarca sem conter
O entusiasmo do prazer:
Diz-lhe o tetrarca sem conter
O entusiasmo do prazer:
– “Pede-me
tudo o que quiseres!
Qual a província que preferes,
Flor luminosa entre as mulheres?”
Qual a província que preferes,
Flor luminosa entre as mulheres?”
– “Tu
és tão bela que nenhum
Prêmio te paga! E só por um
Beijo, eu te dou Cafarnaum!”
Prêmio te paga! E só por um
Beijo, eu te dou Cafarnaum!”
E
ela, infantil, em voz que freme,
Assim lhe diz: “Dá-me em estreme…”
Murmura um nome… E Herodes treme!
Assim lhe diz: “Dá-me em estreme…”
Murmura um nome… E Herodes treme!
Pede
que não, e exora… Mas
A sala ordena pertinaz:
– “Tu prometeste – e tu darás!”
A sala ordena pertinaz:
– “Tu prometeste – e tu darás!”
Depois,
num grande prato de ouro,
Entre as aclamações em coro,
Com os olhos úmidos de choro,
Entre as aclamações em coro,
Com os olhos úmidos de choro,
Nas
mãos de um fâmulo idumeu,
Diante do povo galileu,
De Iocanã* apareceu,
Diante do povo galileu,
De Iocanã* apareceu,
Bruta,
a cabeça ensanguentada,
Que, pelo gume de uma espada,
Fora do tronco separada.
Que, pelo gume de uma espada,
Fora do tronco separada.
Da
sua pálpebra, a fulgir
Como uma hidrófana de Ofir,
Vê-se uma lágrima cair…
Como uma hidrófana de Ofir,
Vê-se uma lágrima cair…
Ante
essa lágrima tristonha,
Herodes julga a voz medonha
Ainda escuta, como quem sonha…
Herodes julga a voz medonha
Ainda escuta, como quem sonha…
Ouve
dizer-lhe Iocanã!
– “Tetrarca impuro, a vida é vã,
E a tua amante é tua irmã!”
– “Tetrarca impuro, a vida é vã,
E a tua amante é tua irmã!”
Serena,
a lágrima resvala,
Tremula e cai. E toda a sala,
Cheia de espanto e horror, se cala.
Tremula e cai. E toda a sala,
Cheia de espanto e horror, se cala.
Mas
Salomé, flor de Engadi,
Ao Precursor, num frenesi,
Diz: “Por que choras?” E sorri.
Ao Precursor, num frenesi,
Diz: “Por que choras?” E sorri.
E
ele responde: – “A causa desta
Última lágrima funesta,
É ter chegado tarde à festa…
Última lágrima funesta,
É ter chegado tarde à festa…
“Pois
me fizeste, a meu pesar,
Por tanto tempo demorar,
Que não te pude ver dançar…”
Por tanto tempo demorar,
Que não te pude ver dançar…”
*
José
Martins Fontes foi um médico, poeta e tradutor. É considerado o
melhor poeta de sua geração na lusofonia, e um dos dez melhores na
língua portuguesa.
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