Frio
perto do Monte Cambirela
*
Por Urda Alice Klueger
(Para S. R. V. S.)
Dez
da manhã de segunda-feira, e 14 graus Centígrados no Sertão da
Enseada de Brito. Baixará mais oito graus hoje. O céu, de nuvens
baixas, está sinistro e ameaçador. Fico pensando se virá chuva ou
virá neve – afinal, faz pouco tempo (3 anos? 4 anos?) que nevou em
Santa Catarina a nível do mar. As montanhas próximas têm os cumes
escondidos pelas nuvens, e meus cachorros e meus gatos, na noite que
passou, comeram muito mais do que o habitual, como se estivessem a
fazer reservas de energia para enfrentar o frio que quase posso ver
como vem rolando pelo céu como quem desenrola um grande tapete.
Se
naquele inverno recente nevou à beira do mar, como terá sido no
Monte Cambirela, que quase faz sombra aqui, nas tardes, e que tem
mais de mil metros de altura? É lindo, esse monte, que é o fim de
uma serra com o mesmo nome e em cujo topo, em profunda caverna, o
demônio está preso, segundo a mitologia Guarani – meus vizinhos,
no outro lado cá do morro de traz, são os Guarani e morro de traz
se chama Morro dos Cavalos. Penso, então, em outros tempos, em
outras neves, e em como antigos Guaranis e os antigos Sambaquianos
enfrentaram tais momentos de frio nos últimos 6.000 anos por aqui,
pois já faz 6.000 anos que a última glaciação se foi e chegamos
ao que a ciência chama de “ótimo climático”, que quer dizer
que é o clima que temos agora, que nem é tão ótimo assim,
principalmente quando penso nos vizinhos Guarani e suas casas
desprovidas de quase tudo. Por sorte há lá a Opy, casa
sagrada que os protege e garante a prisão para sempre daquele
demônio lá no topo do Monte Cambirela.
Sim,
e lembrar de novo desse morro me leva a outras divagações, e fico a
pensar na separação que houve (ainda não terminou) dos continentes
africano e americano, e dos profundos abalos sísmicos e do tanto
vulcanismo que aconteceu, então, para separar assim essas duas
terras que eram uma só. O que é Santa Catarina hoje fazia parte de
uma terra que na África, hoje, se chama Namíbia, e metade das
serras próximas do litoral catarinense estão na Namíbia. Há até
pedaços do deserto do Kalahari, na Namíbia, que hoje são litoral
catarinense. Um morro tão bonito e grande assim aqui na beira do mar
decerto tem sua outra parte lá do outro lado do oceano – como não
pensara nisto antes?
E
então, quando imagino o ribombar atroador de todo aquele vulcanismo
e terremotos do tempo da separação, dou-me conta que os seis graus
de temperatura que haverá hoje à noite é coisa pouca quando se
está numa casa bem protegida, com cachorros e gatos dormindo ao
redor da gente.
Visto-me
de verde com quentes casacos e uso no cabelo uma flor de seda que
ganhei de presente de uma princesinha encantada que às vezes
aparece. A chuva já começou e a vida segue.
Sertão
da Enseada de Brito, 17 de julho de 2017.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de
2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições),
“No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.
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