quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Em Goiana, igrejas de brancos, pretos e pardos - Leonardo Dantas Silva


Em Goiana, igrejas de brancos, pretos

 e pardos

* Por Leonardo Dantas Silva

Na cidade de Goiana, município com 78 940 habitantes, situado a 62 km. do Recife, Zona da Mata Sul de Pernambuco, o visitante observador vai encontrar novidades em sua caminhada, dentre as quais igrejas destinadas ao culto de brancos, pretos e pardos, numa sucessão de oragos no mínimo curiosa para os nossos dias.

No nosso roteiro irá conhecer os templos dedicados à Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos (séc. XVII), Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (séc. XVII), Convento de Hospital de Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos (séc. XIX), e o conjunto da Ordem Terceira e Convento Carmelita de Santo Alberto (séc. XVII).
Ao descrever a Vila de Goiana, em observação datada de 20 de outubro de 1810, o viajante inglês Henry Koster observa ser esta “uma das mais florescentes de Pernambuco, estando situada sobre uma margem do rio do mesmo nome, em uma grande curva nesse local, quase a rodeando”.
As casas, com uma ou duas exceções, têm apenas um andar. As ruas são largas, mas não são calçadas. Uma das principais é tão ampla que admitiu a construção de uma grande igreja, numa das extremidades, e a extensão da rua é considerável em ambos os lados do edifício. A vila possui o convento dos carmelitas e várias outras casas destinadas ao culto. Os habitantes são de quatro a cinco mil e esse número cresce diariamente. Há também lojas e o comércio com o interior é intenso.
A igreja, assinalada pelo autor, é a Matriz de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos de Goiana,cuja denominação bem demonstra o sentimento de separação racial existente no Brasil colônia de então.
A paróquia de Nossa Senhora do Rosário fora fundada pelo Bispo do Brasil, dom Frei Antônio Barreiros, provavelmente quando de sua visita pastoral à capitania de Itamaracá no ano de 1584, a quem pertencia, então, a povoação de Goiana.
Com a transferência da sede da capitania de Itamaracá, da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itamaracá, para a Vila de Goiana, em 7 de janeiro de 1711, surgiu a necessidade de se criar a Irmandade da Misericórdia, em substituição à extinta Santa Casa de Misericórdia de Vila Velha. A instalação daquela irmandade, porém, só veio a se concretizar em 1º de julho de 1722, funcionando inicialmente na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos.
Anos mais tarde, terminadas as obras da igreja, os irmãos da Misericórdia resolvem construir, no mesmo local, um hospital destinado ao atendimento das pessoas pobres e sem recursos, tendo a bênção inaugural acontecido em 1759. O Hospital da Santa Casa de Misericórdia foi o primeiro erguido naquela Vila de Goiana e contava, na sua inauguração, com vinte leitos destinados a enfermos de ambos os sexos, tendo para isso solicitado ao rei de Portugal, “a extensão dos mesmos privilégios e favores de que gozavam as casas de Olinda e da Paraíba”, no que não tiveram a acolhida.
Um século depois, quando da sua visita a Goiana, o imperador D. Pedro II encontrou os mesmos 20 leitos, divididos entre o pavimento superior e o térreo. Na ocasião, observou o monarca que a Igreja da Misericórdia se encontrava reedificada, após o incêndio que destruíra a sua capela-mor no ano de 1820. Naquela época, hospital e igreja contavam com rendas de 50$000 e 600$000 respectivamente destinadas à manutenção do templo e tratamento dos enfermos. O Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Goiana funcionou de 1759 a 1931.
No século XVII, nos anos que se seguiram à Restauração de Pernambuco do domínio holandês (1654), os moradores de Goiana, sentindo a distância que os separava de Olinda, solicitaram ao Bispado da Bahia a criação de um convento carmelita.
A pretensão dos moradores foi atendida em 11 de janeiro de 1666, quando o Cabido metropolitano de Salvador deferiu o requerimento do frei Alberto do Espírito Santo, vigário provincial da ordem carmelita no Brasil, que retornou a Pernambuco com a boa nova.
As obras de construção tiveram início naquele mesmo ano, 1º de novembro de 1666, em terras doadas pelo capitão-mor Filipe Cavalcanti de Albuquerque. Inicialmente consistia o primitivo convento de uma capelinha, construída em taipa, unida a um conjunto com seis celas para abrigo dos frades, que veio receber a denominação de Santo Alberto da Sicília, em homenagem ao seu fundador, frei Alberto do Espírito Santo.
A construção inicial permaneceu até o ano de 1679, quando o frei Marcos de Santa Maria promoveu uma campanha para a construção de um novo convento e igreja de pedra e cal no local do primitivo convento.

A obra, iniciada em 28 de outubro daquele ano, contou com as generosas contribuições dos moradores de Goiana, dentre os quais o mestre-de-campo André Vidal de Negreiros, cujo filho Francisco Vidal de Negreiros vestia o hábito da Ordem do Carmo.
Comprometeu-se o ilustre cabo-de-guerra a destinar aos frades carmelitas 120 arrobas de açúcar branco produzidas por seus engenhos, a exemplo do que havia feito, em data anterior, quando da construção do primitivo convento. A generosidade do mestre-de-campo perpetua-se após a sua morte, quando por meio de testamento manteve a destinação das 120 arrobas de açúcar branco, retiradas da produção de seus engenhos, nos dez anos seguintes, destinadas às reformas e alterações de que viessem a necessitar.
A Igreja e o Convento do Carmo de Goiana foram objeto de visita de D. Pedro II, em 6 de dezembro de 1859, que assinala em seu Diário: “na igreja encontrei epitáfios cujas datas é que me interessaram; sepultura de 1688 de João Paes de Bulhões e sua mulher e filhos; sepultura de Francisco Afonso Veras e de sua mulher Tereza de Jesus… ores … agosto de 1719. Sepultura [que não se lê bem] de 1687. O religioso, um dos quatro que costumam residir neste convento, pertence à Província Carmelita de Pernambuco e supõe que a fundação do convento teve lugar há 200 anos. Os papéis foram todos estragados na Revolução de 1848” (Revolução Praieira).
As fachadas das duas igrejas têm características do século XVII, muito embora o monumental cruzeiro, erguido no centro da praça, esteja datado de 1719. O perfil barroco deste último, com os motivos orientais que o adornam, parece revelar a influência que sobre o artista exerceu o também monumental conjunto do Convento Franciscano da Paraíba.
Das igrejas de Goiana, algumas têm suas histórias pouco conhecidas, como é o caso do templo dedicado à Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos. Sabe-se, tão-somente, que teria sua origem no início do século XIX e que, por volta de 1861, pertencia a uma Irmandade de Homens Pardos,conforme compromisso firmado naquele ano.
Tal irmandade existiu até o ano de 1933, quando foi extinta e a guarda de sua igreja passou para a Companhia de Fiação e Tecelagem de Goiana e, com a falência desta, veio a ser mantida por “uma comissão benemérita de cidadãos da sociedade local”. Os festejos da padroeira ocorrem no dia 8 de dezembro, quando acontece a grande festa e a procissão triunfal pelas ruas da cidade.

* Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE

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