quinta-feira, 2 de agosto de 2018

A foto no cavalete - Keli Vasconcelos


A foto no cavalete


* Por Keli Vasconcelos


Fiz um curso de fotografia, em meados de 2015. Coisa simples, só mesmo para matar uma vontade alimentada havia tempo. Após alguns empurrõezinhos de uma amiga e umas economias, acabamos juntas cursando-o.

Durante as aulas, visitamos um parque, na zona oeste de São Paulo. Árvores, pessoas, arquitetura, cliques. Daí, deparei-me com uma cena tocante: uma avó brincando com o seu neto, este devia ter uns quatro, cinco anos no máximo. Ele corria nos tablados de areia, entre a gangorra e o balanço, espantando os pombos faceiros.

Então, apareceu uma galinha.
Aquela carijó que a gente vê nas cidadelas do interior. O menininho, em sua inocência de menininho, perguntou à vovó o que era aquilo. Ela, na sabedoria protetora das avós, aproximou-se do pequeno e simplesmente disse: “É uma galinha”. Sem delongas. Galinha e ponto.
Naquele momento, eu fotografei o momento.
Depois, no notebook, “apanhando” na edição, deixei a imagem em sépia, como as fotos bem antigas. Afinal, infelizmente, a cena é cada vez mais rara. Salvei o trabalho.
Abstraí.
Dias atrás, leio uma notícia de um concurso cultural, intitulado Festival Pericentro, cujo tema era retratar a cidade, suas metrópoles, suas periferias. Os selecionados fariam parte de uma exposição na Praça Padre Aleixo Mafra, que aqui em São Miguel Paulista, na zona leste, onde moro, chamamos de Praça do Forró, relembrando o seu passado festeiro. O evento faria parte das comemorações dos 394 anos do bairro, em setembro. Nunca fui a tais festejos, então decidi participar.
Peguei algumas fotos que fizera da própria praça, outras da região, algumas produzidas durante o próprio curso, em sala de aula, e as enviei. Para o meu espanto, um dos organizadores acessou a página que tenho no Tumblr (keliv1.tumblr.com) e ficou encantado com uma foto: a da senhora com o netinho.
A princípio, relutei, afinal, não fora feita no bairro e achei que não se adequava ao tema, porém o intuito era esse mesmo: estampar nos extremos o que a cidade tem. Levar a Praça do Forró para a Avenida Paulista e vice-versa, resumindo.
O.k., mandei a imagem, e, para variar, abstraí.
O tempo passou, o concurso idem e recebi um e-mail no final de uma quinta-feira: a imagem fora selecionada e faria parte da exposição. Misto de fascínio e desconfiança, pois não botava fé se iriam expô-la mesmo.
No sábado seguinte, fui ao evento. Depois da caminhada de vinte minutos, avistei estandes e palco com música, além das barracas de artesanato da feira permanente ali. O público se dividia entre curiosos, moradores de rua – ou, melhor dizendo, os da própria praça – e quem desembarcava da estação de trem. Tudo muito breve, rápido demais para contemplar.
Daí, encontrei um espaço de intervenção artística, duas tevês e quadros em cavaletes. Fitei o telão. E nada.
Já desistindo, jamais imaginei que a imagem selecionada estaria eternizada em um dos cavaletes, impressa, com moldura e tudo o mais.
A vó e o neto, observando a galinha.
Eu e a foto, aquele instante que eu desejo não ficar somente em um registro sem retorno. Estava feliz por ter o trabalho exposto. Mas, sendo bem sincera, queria mesmo é que as pessoas pudessem admirar os pequenos instantes.
Utopia? Não sei. Quem sabe o Presente nos presenteie com um futuro mais doce. O problema é se iremos permitir.
Eis aí, do mesmo modo que o netinho e sua questão, a minha vã dúvida.

*Keli Vasconcelos é jornalista de São Paulo. Atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas. Hoje realiza trabalhos como freelancer.




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