Talento
mercenário
Tempos
atrás, ao encontrar-me com um amigo jornalista que não via há
muito (o encontro deu-se num salão de barbeiro muito famoso na
cidade), fizemos aquele contato inicial, digamos, protocolar.
Primeiro, dissemos, um para o outro, as mentirinhas costumeiras, como
“puxa, você não envelheceu”, ou “você está com boa
aparência” e assim por diante.
Em
seguida, trocamos informações sobre as respectivas famílias. Na
sequência, a conversa derivou para nossas atividades. Nesta altura
do papo, disse-lhe que estava lançando novo livro (na ocasião era o
meu segundo, “Por uma nova utopia”), achando que receberia um
montão de elogios do amigo e promessas de aquisição da obra e de
divulgação, mesmo que feitas somente da “boca para fora”, sem a
mínima intenção de cumprir.
Que
nada! O tal do amigo (e trata-se, a despeito de tudo, de amigo mesmo,
cuja amizade já foi testada e comprovada), com a franqueza que
sempre o caracterizou, jogou uma ducha de água fria no meu
entusiasmo, que chegava às raias da euforia. Fria somente não.
Ducha gelada ou, como queiram (expressando-me no meu estilo um tanto
exagerado que se vale a todo o momento de superlativos), ducha
geladíssima.
Meu
interlocutor olhou-me fixamente nos olhos, pôs a mão amigavelmente
em meus ombros e soltou a bomba: “Sai dessa, Pedrão! Ser escritor
é uma fria! Você conhece algum que seja rico, ou pelo menos
remediado? Pois é, continue como jornalista que você se dará
melhor. Olhe que você tem família grande para sustentar!”.
Meu
amigo achava que por causa do lançamento do novo livro eu iria sair
do jornal em que estava trabalhando para dedicar-me
exclusivamente à literatura, como se isso fosse corriqueiro ou
sequer possível no Brasil. Claro que eu não faria essa bobagem
(como nunca fiz). Sempre fui um sujeito muito centrado, com os pés
no chão e, apesar de sonhador, e de lutar pela concretização dos
meus sonhos, sei distinguir as coisas. A intenção do amigo era a
melhor possível, a de alertar-me para uma realidade que sempre
conheci de sobejo: a de que em nosso país (e em várias outras
partes do mundo), não dá para sobreviver “só” de literatura.
Por
coincidência, nesse mesmo dia li numa reportagem da revista Manchete
– que o barbeiro deixava à disposição dos clientes numa mesinha
de centro enquanto estes esperavam a vez de cortar o cabelo e fazer a
barba – dando conta de que os mais talentosos escritores
norte-americanos estavam a soldo da indústria cinematográfica.
Trabalhavam para os grandes estúdios de Hollywood, ora transformando
livros famosos de clássicos da literatura em roteiros adaptados para
o cinema e a televisão, ora produzindo os seus, originais e
exclusivos.
Se
nem na terra de Tio Sam, onde os homens de letras, convenhamos, são
muito mais valorizados, eles não conseguem sobreviver só de
literatura (claro que, como em tudo na vida, há exceções), que
dirá no Brasil! Lá, quando o sujeito esgota uma edição de 50 mil
exemplares, diz-se que seu livro foi um fracasso comercial. Há
escritores absolutamente desconhecidos no exterior que esgotam
edições de bolso de 50 milhões (sem nenhum exagero), vendidas, via
de regra, em estações de metrô.
Outro
amigo meu classificou os literatos contratados da indústria
cinematográfica como “talentos mercenários”. Entende que
literatura não é para dar lucro, mas, no máximo, para recuperar o
investimento. Discordo! Quem foi que disse isso?! Quem estabeleceu
(se é que alguém fez isso) que literatura não pode ou não deve
gerar lucros? Sem estes, não apenas livros, como qualquer outro tipo
de produção – artística ou não – torna-se inviável.
Ademais, alguns desses escritores escrevem roteiros tão bons, tão
instigantes e tão criativos, que fazem sucesso simultaneamente: no
cinema e na literatura. Querem um exemplo? O falecido Sidney Sheldon.
Poderia citar muitos outros, mas não o farei.
Em
literatura, há duas espécies principais de livros: os de
entretenimento, sem nenhuma preocupação de debater ideias
e conceitos, e os que suscitam reflexões, informações e
aprendizados, mesmo que se trate de obras de ficção. Ambas são
literatura. Há alguns puristas, por exemplo, que se recusam a
admitir o valor literário dos livros da grande dama do conto
policial, Ágatha Christie. Ou de Arthur Conan Doyle, o criador do
Sherlock Holmes. Ou, para citar nome mais contemporâneo, de Ian
Fleming e do seu agente 007. Os mais enjoados chegam a contestar,
até, Edgar Alan Poe. Aí já é passar dos limites!!!
Se
acham que é fácil escrever para entreter o grande público, por que
não tentam competir com esses escritores? Tentem! Vão quebrar a
cara! Quanto aos que se dedicam exclusivamente ao cinema (alguns
firmam contratos de exclusividade), estes souberam dar o passo certo
e unir o útil ao agradável. A utilidade, óbvio, está nos altos
salários que recebem, sem correr nenhum risco. O aspecto agradável,
por sua vez, é estarem fazendo o que mais gostam e a atividade para
a qual estão preparados: literatura.
No
Brasil, infelizmente, quase não temos essa (e a rigor nenhuma outra)
opção. Se quisermos um lugar ao sol, teremos que nos arriscar.
Alguns (os que podem) criam as próprias editoras. Foi o caso, no
passado, de Monteiro Lobato. Ou de Fernando Sabino e Rubem Braga, que
se associaram numa empresa (que não foi muito longe), para publicar
suas obras e as de amigos.
Outros
(entre os quais, eu), a cada novo livro pronto, fazem a “romaria”,
que nas suas vidas já virou rotina, às editoras, buscando convencer
alguma delas a apostar em seu novo romance, ou conto ou no seu volume
de poesias, com os riscos de encalhe inerentes, consequência
das dificuldades, sobretudo, de distribuição e de divulgação.
Considero o escritor brasileiro um herói, por desafiar todos os
conhecidos (e os desconhecidos também) obstáculos e persistir em
sua luta para poder fazer chegar o fruto do seu talento ao legítimo
destinatário: o leitor.
Quem
nos dera sermos “talentos mercenários”, como alguns críticos
classificam os práticos homens de letras norte-americanos que
conseguem transformar em dinheiro o produto do seu raciocínio e sua
sensibilidade. Mesmo que queiramos fazer essa aposta, (infelizmente)
não temos como. Aqui, temos que ser idealistas na marra!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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