Cautela
que se impõe
O
primeiro livro de Arthur Conan Doyle – o criador do detetive
Sherlock Holmes e de seu “fiel escudeiro”, Dr. Watson – foi o
romance “Um estudo em escarlate”, certo? Errado! A maioria dos
historiadores de literatura acha que sim, pois foi o primeiro a ser
publicado. Não foi, todavia, o primeiro que o autor escreveu.
E
por que faço essa afirmação, tão convicto e peremptório? Porque
há uns sete anos
foi encontrado um romance anterior a “Um estudo em escarlate”,
escrito entre 1883 e 1884, quando o escritor tinha apenas 23 anos de
idade e ensaiava os primeiros passos na literatura.
Esse
texto de ficção, para desgosto e decepção do autor, foi perdido
nos Correios. Doyle enviou-o a um editor, para aprovação e
publicação, mas este jamais chegou às mãos do destinatário. E,
ao que se sabe, o jovem e então inexperiente escritor não tinha
nenhuma cópia desse seu romance de estreia.
Contudo,
se o que se perde não é destruído, mais cedo ou mais tarde, algum
dia, alguém o encontra, passe o tempo que passar. Foi o que
aconteceu com o primeiro romance do “pai” de Sherlock Holmes.
Vocês
já imaginaram o desespero de um jovem escritor ao saber perdido um
livro que escreveu com garra e esperança? E justo o seu primeiro?!
Eu teria desistido, não da literatura, claro, mas pelo menos dessa
obra.
Aliás,
já ocorreu algo parecido comigo. Há uns doze anos, escrevi um livro
de contos, que me consumiu seis longos meses de pesquisas e de
redação. Deu um trabalhão danado! É certo que não foi meu
primeiro, mas achava, na ocasião (e ainda acho hoje) que era o meu
melhor.
Ocorre
que caí na besteira de confiar cegamente no bom funcionamento do meu
computador. Não me passou, nem remotamente, pela cabeça a
possibilidade de ocorrer algum problema no “cérebro” dessa tão
útil e prática máquina, que levasse à perda de tudo o que
estivesse gravado em sua poderosa memória. Por causa dessa até
ingênua confiança, não tirei nenhuma cópia do livro, nem em papel
e nem fazendo back-up num disquete (que era o meio que se usava,
então, para esse fim).
Consequência?
A imprudência foi fatal! Sumiço total de tudo o que havia no
computador! E, claro, do livro também. Foi como se aquelas
histórias, que vibrei de entusiasmo ao criá-las, nunca tivessem
sido inventadas e escritas. Fiz de tudo para, de alguma forma,
resgatar o livro. Recorri a diversos “experts” em informática.
Estes tentaram, tentaram e tentaram “resgatar” a tal coletânea
de contos, prontinha, editada e revisada, mas ninguém conseguiu.
O
livro, simplesmente, desapareceu, se evaporou, se desmaterializou sem
deixar o mínimo vestígio que um dia foi escrito, vítima do
malfadado (e até hoje não explicado) “bug” informático. Nem
preciso reproduzir o quanto fiquei desolado. Foi uma lástima!
No
caso de Conan Doyle, a coisa não foi tão radical. Muito antes que o
romance “The narrative of John Smith” fosse encontrado, há
alguns anos,
quase 130 depois de haver se extraviado, o autor o reconstituiu de
memória. Claro que não ficou igual à versão original, embora
tenha ficado muito parecido. Aliás, desde
novembro de 2011,
os leitores podem
comparar as semelhanças e diferenças entre elas. Isto porque a
Biblioteca Nacional do Reino Unido resolveu bancar a publicação da
versão original reencontrada.
Conan
Doyle, como se vê, não ficou no prejuízo com o extravio do seu
livro. No meu caso, todavia, fiquei. Embora não tenha memória
excepcional, ela está na média e não fica nada a dever à da
maioria das pessoas. Talvez por uma questão de superstição,
contudo, resolvi não reescrever as histórias perdidas. Já que o
acaso impediu que sobrevivessem do jeito que foram gestadas, após
doloroso “parto” emocional, que caíssem, para sempre, no
esquecimento. E caíram. Não nego que já tive a tentação de
reconstituir o livro, mas a intuição teima em me cochichar: “Deixa
quieto! Isso pode trazer-lhe um azar danado!”.
Quanto
a Conan Doyle, a reconstituição do “The narrative of John Smith”
não lhe trouxe nenhum resultado aziago. O livro vendeu bastante,
como todos os outros que escreveu, e o autor fez brilhante carreira
literária, no gênero que o caracterizou, o de histórias policiais.
Com a vantagem de voltar à cena editorial, quase um século após
sua morte. No seu caso, portanto, só saiu ganhando.
Os
dois episódios, o de Conan Doyle e o meu, deixam, aos escritores,
uma preciosa e útil lição. A óbvia, claro, mas nem sempre seguida
pela maioria. Qual? A de, sempre que escrever algum texto que queira
preservar e que dure para sempre (embora esse “sempre” seja
relativo), não importa se livro completo ou se poema, conto ou
crônica esparsos, tire o máximo de cópias possível, quer em
papel, quer em meios eletrônicos, para não dar sopa para o azar.
Afinal, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Isso me aconteceu uma vez com um trabalho de escola na época do Jornalismo. Eram umas poucas páginas e eu as reescrevi. Ficam a frustração e a raiva.
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