A
barca
*
Por Sônia Pillon
O
dia mal amanheceu. A barca que conduzirá Ushiro está atracada na
margem do rio. O jovem abraça longamente a mãe, que chora
copiosamente à sua despedida. Ela sabia que um dia esse momento iria
chegar, mas nunca se sentiu preparada.
E
agora Ushiro iniciaria a jornada para ir trabalhar em uma plantação
de arroz no outro lado do país, onde as oportunidades eram melhores
e havia a esperança de economizar e garantir o futuro, dele e da mãe
viúva. Ali, naquele pedaço de terra isolado, não havia futuro para
os jovens.
Kaneko
lembra de como o filho era frágil, inseguro e assustadiço, de seus
lindos e luminosos olhos. A introspecção e o porte orgulhoso sempre
marcaram sua postura diante. E pensar que ele se achava feio e
baixinho, para os padrões do lugar!, pensa a mãe, sorrindo.
Nas
horas que antecederam a despedida, recordou com certa nostalgia das
noites em claro que passou, do zelo que sempre teve para com ele, da
extensa jornada de trabalho tecendo o algodão e a lã, dos
sacrifícios para colocar a comida na mesa...
E
agora a barca estava esperando, a poucos metros, para arrancar dela o
seu bem mais precioso. Ao soltar o abraço, Kaneko seca rapidamente
as lágrimas. Ushiro faz o mesmo, mas se recompõe rapidamente e
mantém a postura ereta. Era um homem, e homens não choram, muito
menos na frente da mãe.
-
Não chore, mãe. Eu vou ficar bem, a senhora vai ver! Logo, logo eu
consigo guardar um dinheiro e vou lhe enviar. Prometo que venho
visitar a senhora sempre que puder. Não vou demorar...
O
barqueiro alerta que está na hora e Ushiro corre. Ao entrar na
barca, lança um último olhar à mãe, que acena e sorri, sem conter
as lágrimas que continuam a escorrer pela face.
Na
volta para casa, com o coração apertado, ela encontra o venerável
da aldeia.
-
Boa tarde, dona Kaneko! A senhora parece abatida... Aconteceu alguma
coisa?, pergunta o venerável ancião. Ele sempre era procurado para
aconselhamento em questões comunitárias e sentimentais.
-
Meu filho foi embora! O meu menino partiu naquela barca e nem sei
quando o verei de novo...Ele vai para tão longe...
-
Minha cara dona Kaneko, lembre-se de que os filhos têm espíritos
livres, e que têm o direito de escolher o próprio caminho...
Ninguém vive a vida do outro. Cabe às mães criarem seus filhos com
valores de ética, honestidade, generosidade e retidão de caráter,
e passar um bom exemplo.
-
Eu sei, mas não é fácil...
-
Entendo perfeitamente, dona Kaneko. Sei que não é fácil. E sei
também que foi uma excelente mãe.
-
Obrigada...
-
Cada um tem a sua missão. Nos é dada a oportunidade de viver essa
missão da melhor maneira possível, devotando a própria vida, mas a
opção é da pessoa em querer cumprir seu Karma, ou deixar para a
próxima encarnação...
-
E o que devo fazer?
-
Pratique o desapego, ore por ele e se mantenha receptiva. Seu filho
tem que saber que tem um lugar para voltar e uma mãe amorosa para
rever, sempre que sentir saudade.
Com
a expressão da face aliviada, Kaneko agradeceu e se curvou, em sinal
de respeito.
-
Sou muito grata por suas palavras. O Universo providenciou que o
encontrasse...
-
Nada acontece por acaso, dona Kaneko, disse o venerável,
misteriosamente, antes de seguir pela estrada.
*
Sônia
Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e
radicada em Jaraguá do Sul (SC), Brasil, desde outubro de 1996.
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