domingo, 12 de agosto de 2018

A invenção de um modo - Adélia Prado


A invenção de um modo

* Por Adélia Prado

Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras 
e se me surpreendem, explico cheia de verdade: 
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: "Ora, isso é pras mulheres de São Paulo" 
Fico entre montanhas, 
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto, 
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão, 
ou tirando sorte com quem vou casar. 
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus, 
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.


* Poetisa, professora, filósofa e contista ligada ao Modernismo.

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