quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Poetas e poetas


Há, na literatura mundial, “Poetas” cuja condição temos que declinar grafando-a, forçosamente, com “p” maiúsculo, por sua contribuição para as artes e as letras e “poetas”, com “p” minúsculo, que ainda não atingiram a grandeza e transcendência dos primeiros. Não citarei nomes, em nenhum dos dois casos, para não melindrar ninguém, já que minha reflexão de hoje destina-se a reconhecer os bons, sem depreciar os que ainda não atingiram (mas podem fazê-lo) o nível de excelência.
Tenho em mãos, neste instante, um livro de um “Poeta”, com “p” maiúsculo (e põe maiúsculo nisso!), pouco conhecido em âmbito nacional, mas cuja poesia o qualificaria a ocupar o panteão dos grandes luminares do gênero, como Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meirelles, entre tantos outros. O fato de ser pouco divulgado não lhe traz maiores prejuízos, posto que já nos deixou há quase uma década (morreu em 11 de junho de 2001 aos 84 anos), mas prejudica o grande público, que fica privado de sua lucidez e profunda inspiração. Refiro ao meu saudoso e grande amigo (além de guru literário) Mauro Sampaio.
Além de escritor de raras qualidades – embora dentista de profissão, aliás, professor de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – e de grande empreendedor, havendo presidido em três oportunidades a Academia Campinense de Letras da qual foi um dos fundadores (de 1985 a 1988; 1993 a 1994 e 1998 a 2000), foi uma figura humana boníssima, preciosa, agradável, dessas que é uma bênção o simples fato da gente conhecer, quanto mais conviver com ela. Generoso, ponderado e justo, sempre será, para mim, pessoa inesquecível. Além, claro, de um poeta que não fica nada a dever aos grandes da literatura mundial no seu gênero.
Foi Mauro Sampaio, ao lado de outro mestre da poesia, também falecido, jornalista e meu colega de redação no Correio Popular, Maurício de Moraes, que me convenceram a disputar uma cadeira na Academia Campinense de Letras. Para a minha surpresa, fui eleito. Hoje sou membro dessa augusta casa de arte e cultura há já longos 18 anos, o que muito me orgulha. Aprendi muito com ambos. E farei tudo o que estiver ao meu alcance para que não sejam nunca esquecidos. Sinto falta, por exemplo, na internet, de referências sobre estes dois magníficos escritores, a respeito dos quais os críticos e estudiosos fazem constrangedor silêncio, o que é sumamente injusto.
O livro de Mauro Sampaio a que me referi e que tenho em mãos – e ele publicou mais de dez, todos de poesias – é “Poemas para Meditar”, volume de nº 31 da coleção “Publicações da Academia Campinense de Letras”, lançado em 1976. É uma edição rara, restrita aos acadêmicos e não posta à venda para o público (uma pena!). Gostaria, caso tivesse os direitos autorais dessa publicação, de partilhar todos os poemas, sem nenhuma exceção, cada um mais maravilhoso do que o outro, com um número máximo de pessoas. Como não posso, limitar-me-ei a reproduzir apenas duas dessas composições, até com uma certa maldade da minha parte, ou seja, para deixar no leitor aquele gostinho de “quero mais”.
O primeiro desses poemas tem o título de “Justificar-me”, e foi dedicado ao Dr. Lycurgo de Castro Santos Filho, um dos mais eminentes, competentes e reconhecidos urologistas do País, que tive o raro privilégio de contar como companheiro de Academia por quase uma década, até a sua morte. O referido texto diz: “Justificar-me?/Justificar-me de ser, mas não por convicção?/Mas quem é, e sabe que é, e quer ser, sem querer mais ser?/Não haverá em todos nós uma parada/com tristeza e desonra por dentro, e satisfação externa para o exterior?/Há tanta justificativa que nada justifica,/tanta compreensão que não compreende nada,/que o melhor/é a não explicação de explicação alguma./É sentir-se à beira de um abismo/e vê-lo como o caminho natural para a planície!”.
Agora deu para entender por que coloco Mauro Sampaio no mesmo patamar dos mais consagrados poetas brasileiros, de Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meirelles, entre outros? Pena que poucos, reitero, tenham o privilégio que tive, quando ele estava vivo, e que tenho, com a leitura freqüente de sua luminosa obra: o livre acesso à sua marcante e carismática poesia. Ler o que ele escreveu “vicia”. Mas este é um vício benigno, que não somente não faz mal como, de quebra, engrandece e fortalece intelectual e espiritualmente o viciado.
O outro poema de Mauro Sampaio que partilho com vocês é “Esquecer a vida”. Este, ele dedicou a Theodoro de Souza Campos Junior, escritor ao qual sucedi na cadeira de nº 14 da Academia Campinense de Letras. Diz: “Esquecer a vida dentro do sonho./Torná-la irreal na realidade do sonho./Inverter tudo./Amar de tal maneira a vida,/que o vivê-la será pouco./Ignorar a alma e o espírito e o consciente./Pensar no espaço./Não entender nada./Não estar triste nem alegre,/nem saber o que é bom, e mau e belo ou não./Recortar todos os momentos da vida/e fazer dos retalhos o sonho./O que aconteceu antes/é o que passou na forma e no espaço./O que está, não está, é um constante movimento./O Princípio nasceu de um Sonho./O que se sente da vida, quando se repara nela,/é que só vale pelo sonho que é,/ou pelo sonho que fazemos dela!”. O que dizer mais diante desses versos majestáticos e definitivos?! E precisa dizer algo? Só me resta ficar calado... e meditar.
Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Tenho falado com tantas pessoas desmotivadas,depressivas, que sinto não poder influenciá-las ao dar um poema desses para ler e mudar.

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