quinta-feira, 9 de dezembro de 2010




Papai Noel é turco

* Por Marcelo Sguassábia



Ilustração: Thiago Cayres

Nada contra os turcos e sua milenar fama, talvez infundada, de muquiranice. Tenho alguns amigos turcos, amizades que perduram por toda uma vida sem exigir nada em troca (o que não é muito comum entre os turcos, dirão os maledicentes de plantão). Mas o fato é que, segundo fontes de reconhecida credibilidade, Papai Noel, ou São Nicolau, nasceu na Turquia – mais exatamente na cidade de Petara, na segunda metade do século III. E isso explica muita coisa. Ou melhor, a falta de muita coisa.
Primeiramente, elucida a triste estatística de que 83,4% da raça humana não recebe um chaveirinho que seja como presente de Natal. De onde se conclui que o tão propalado espírito de fraternidade reinante em cada esquina desmorona-se quando é imperativo meter a mão no bolso. E bolso é algo que não existe nas acetinadas calças rubras de Noel.
Justifica-se, também, a alocação intensiva de mão de obra chinesa na confecção da quase totalidade dos presentes trocados no planeta durante as festas de fim de ano, incluídas aí as confraternizações de amigo secreto.
Ao entrar silenciosamente pela chaminé e a altas horas da noite, o velhote evita que alguém da casa acorde, abra os embrulhos e encha sua cara gorda de sopapos em razão da quase sempre péssima qualidade dos presentes.
Sua imensa e anti-higiênica barba é fruto de economia igualmente porca: é que o bom velhinho não quer morrer com uns trocados na compra de apetrechos de barbear, mesmo que sejam aqueles de marca própria vendidos nos hipermercados.
Repare que ele traja invariavelmente a mesma indumentária. Os mais aguerridos aos rituais natalinos poderão argumentar dizendo tratar-se de tradição. Na verdade ele só tem aquela roupa mesmo, sendo que a dita cuja envelopa sua carcaça gordurenta desde mil setecentos e qualquer coisa.
Suas renas voam porque foram forçadas a desenvolver a capacidade de levitação, já que não são alimentadas pelo dono sovina e não aguentariam nem meio quilômetro de galope.
Por mais que o tempo passe, a única forma de se comunicar com o ilustríssimo turco é através das famigeradas cartinhas. Isso porque nosso anacrônico herói se recusa a adquirir um computador, ainda que de segunda mão, e consequentemente também não possui uma conta, ainda que gratuita, de email.
É de sua autoria a versão alternativa da letra de Jingle Bells, cantada até hoje a plenos pulmões pela gurizada: “Jingle bells, jingle bells, acabou o papel... não faz mal, não faz mal, limpa com jornal”. É claro que, partindo de Noel, não poderíamos esperar coisa mais aproveitável em termos lítero-musicais.
Alguém que nasce na Turquia e muda-se para o Polo Norte é alguém que, no mínimo, merece a desconfiança da Interpol. Quais motivos estariam por trás de mudança tão radical de endereço? Notório inadimplente e toureador de credores, Papai Noel encontrou na ausência de constituição, de tribunais de justiça e de presídios da calota polar o esconderijo perfeito. Ali montou seu QG, onde maneja suas falcatruas sob diferentes nomes, dentre eles Santa Claus, Père Noël, Viejito Pascuero e Babbo Natale. Se tiver qualquer pista sobre o seu paradeiro, ligue para o distrito policial mais próximo. Você não precisa se identificar para formalizar a denúncia.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

Um comentário:

  1. Inacreditável criatividade! Dei risadas, e isso para mim é um feito, pois não sou de achar muita coisa engraçada. Parabéns, Marcelo! Vou divulgar.

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