Palavras são apenas palavras
* Por Mara Narciso
“Longe é quando a gente viaja até endoidar e não chega”, dizia Milena, minha mãe. As palavras não têm o mesmo sentido para todos. O que é muito? Em relação ao dinheiro depende do universo vivido pela pessoa. Em 1995, o ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá, do Banco Econômico, por exemplo, achava ninharia dez mil reais, e usou essa quantia para comprar miudezas num fim-de-semana, como atestou candidamente, na véspera da sua quebradeira. Hoje, cento e trinta reais do Bolsa Família podem ser um dinheiro considerável para uma mulher desempregada, sem qualificação, nenhuma fonte de renda e três crianças.
Normal é uma amplidão do tamanho do mundo, considerando-se apenas uma pequena parcela de possibilidades. O homem dominar a relação com o sexo oposto, ou seja, decide, ordena e a mulher obedece, é normal. Não precisa ser uma feminista mal-humorada para ver que isso pode até ter sido assim, mas não cabe em 2010. Considerando a época, o que diria uma pessoa que dormisse por trinta anos e ao acordar, visse pessoas correndo na avenida? Que enlouqueceram, ou estão fugindo de um incêndio ou da polícia. Em termos tecnológicos, para essa mesma pessoa, tudo seria anormal.
Num universo pantanoso como a alimentação saudável, no qual o científico válido há pouco é um disparate agora, o espaço para considerações impertinentes é ilimitado. Analisando um item mais fácil como quantidade, inúmeras divergências já acontecem. O que é muito, normal ou pouco para um, pode ser normal, pouquíssimo e ridículo para outro. O argumento de que o seu ganho de peso não é causado por comida também é um mantra interminável. Mas se não é comida, seria bebida? Um “não” fervoroso rebate a indelicadeza da suposição. As porções, variedades e tamanho do prato são diversos nos vários grupos, mas a palavra rodízio, seja de pizza ou de carne, certamente não envolve a certeza, mas apenas uma rala possibilidade de moderação.
Quem ama não acha que ama pouco ou o suficiente. O amor e seus derivados só se utilizam de superlativos para suas adjetivações. O que se ouve é grande, imenso, mar, oceano, infinito e outras qualidades do que não tem medida. E quem perde um amor tem o dever de chorar rios ou mares, como canta Ivan Lins para sua Madalena: “o mar é uma gota, comparado ao pranto meu”. Alguém deixa de se tocar por tamanho sofrimento?
Limpo é quando não se enxerga sujeira ou quando está desinfetado? Isso vale para objetos, mas os mais radicais querem esterilizar o próprio corpo. Os cuidados com recém-nascidos então, variaram muito, indo de um extremo ao outro. Cuidados com o umbigo já foram com esterco (morte por tétano, o mal de sete dias) ou raspa de pau de goiabeira até álcool absoluto. Houve um tempo que a “mulher parida” não podia lavar a cabeça enquanto não parassem o lóquios (sangramento). O banho comum, em média, dura dez minutos, mas há quem teime em usar o chuveiro por uma hora, e ainda acha argumento em defesa do seu hábito. Na aula de Técnica Operatória, o professor Raimundo Santos Sobrinho nos ensinou: “Antes da cirurgia, é preciso lavar as mãos até se cansar e depois lavar mais meia hora”.
E o que é exagero? Meu pai se irritava com meu vocabulário, porque eu usava expressões muito fortes. Quando escrevo - como a palavra escrita não tem entonação-, não dá para perceber, mas, segundo algumas queixas, ao falar, sou veemente e enfática.
Como o meio termo e a virtude se encontram em algum lugar, e a saúde se amarra na moderação, é preciso se concentrar no meio, embora as grandes emoções da vida estejam no risco, nos extremos, nas excitantes situações fora do gráfico.
* Por Mara Narciso
“Longe é quando a gente viaja até endoidar e não chega”, dizia Milena, minha mãe. As palavras não têm o mesmo sentido para todos. O que é muito? Em relação ao dinheiro depende do universo vivido pela pessoa. Em 1995, o ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá, do Banco Econômico, por exemplo, achava ninharia dez mil reais, e usou essa quantia para comprar miudezas num fim-de-semana, como atestou candidamente, na véspera da sua quebradeira. Hoje, cento e trinta reais do Bolsa Família podem ser um dinheiro considerável para uma mulher desempregada, sem qualificação, nenhuma fonte de renda e três crianças.
Normal é uma amplidão do tamanho do mundo, considerando-se apenas uma pequena parcela de possibilidades. O homem dominar a relação com o sexo oposto, ou seja, decide, ordena e a mulher obedece, é normal. Não precisa ser uma feminista mal-humorada para ver que isso pode até ter sido assim, mas não cabe em 2010. Considerando a época, o que diria uma pessoa que dormisse por trinta anos e ao acordar, visse pessoas correndo na avenida? Que enlouqueceram, ou estão fugindo de um incêndio ou da polícia. Em termos tecnológicos, para essa mesma pessoa, tudo seria anormal.
Num universo pantanoso como a alimentação saudável, no qual o científico válido há pouco é um disparate agora, o espaço para considerações impertinentes é ilimitado. Analisando um item mais fácil como quantidade, inúmeras divergências já acontecem. O que é muito, normal ou pouco para um, pode ser normal, pouquíssimo e ridículo para outro. O argumento de que o seu ganho de peso não é causado por comida também é um mantra interminável. Mas se não é comida, seria bebida? Um “não” fervoroso rebate a indelicadeza da suposição. As porções, variedades e tamanho do prato são diversos nos vários grupos, mas a palavra rodízio, seja de pizza ou de carne, certamente não envolve a certeza, mas apenas uma rala possibilidade de moderação.
Quem ama não acha que ama pouco ou o suficiente. O amor e seus derivados só se utilizam de superlativos para suas adjetivações. O que se ouve é grande, imenso, mar, oceano, infinito e outras qualidades do que não tem medida. E quem perde um amor tem o dever de chorar rios ou mares, como canta Ivan Lins para sua Madalena: “o mar é uma gota, comparado ao pranto meu”. Alguém deixa de se tocar por tamanho sofrimento?
Limpo é quando não se enxerga sujeira ou quando está desinfetado? Isso vale para objetos, mas os mais radicais querem esterilizar o próprio corpo. Os cuidados com recém-nascidos então, variaram muito, indo de um extremo ao outro. Cuidados com o umbigo já foram com esterco (morte por tétano, o mal de sete dias) ou raspa de pau de goiabeira até álcool absoluto. Houve um tempo que a “mulher parida” não podia lavar a cabeça enquanto não parassem o lóquios (sangramento). O banho comum, em média, dura dez minutos, mas há quem teime em usar o chuveiro por uma hora, e ainda acha argumento em defesa do seu hábito. Na aula de Técnica Operatória, o professor Raimundo Santos Sobrinho nos ensinou: “Antes da cirurgia, é preciso lavar as mãos até se cansar e depois lavar mais meia hora”.
E o que é exagero? Meu pai se irritava com meu vocabulário, porque eu usava expressões muito fortes. Quando escrevo - como a palavra escrita não tem entonação-, não dá para perceber, mas, segundo algumas queixas, ao falar, sou veemente e enfática.
Como o meio termo e a virtude se encontram em algum lugar, e a saúde se amarra na moderação, é preciso se concentrar no meio, embora as grandes emoções da vida estejam no risco, nos extremos, nas excitantes situações fora do gráfico.
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
Palavras não são apenas palavras...elas
ResponderExcluirpodem esbarrar em um muro e diluirem-se
ou ecoarem em nossos ouvidos por uma eternidade.
Abraços
Temos aqui um texto muito interessante sobre o dilema entre significante e significado, que me lembra também uma definição preciosa da PNL: "O mapa não é o território". Palavras podem ser redentoras ou assassinas - dependendo da pena ou da boca. Ótimo trabalho, Dra. Mara.
ResponderExcluirCasa indivíduo tem um universo próprio e as interpretações a respeito da vida - e das palavras- são inúmeras...Belo texto!
ResponderExcluirMeu filho achou o texto singelo, mas gostou. O tema é extenso como o dicionário. Nem sei como cairam na minha rede essas palavras citadas. Foi tudo por acaso. Obrigada gente, pelo comentário.
ResponderExcluirAs palavras tem força. E como !!!
ResponderExcluirO texto é bem interessante.
Já comentei.....mas....risos
Beijos
Obrigada Celamar. Recorto e colo:
ResponderExcluir"Mara,
texto interessante.
Enfim, o equilíbrio seria o ideal.
Mas afinal , o que seria o equilíbrio ?
O que pode ser uma coisa pra você....pode não ser
pra mim....e por aí vai...
Cada um tem a sua verdade. A sua medida.
Se você achar a virtude perdida por aí, me diga onde posso encontrá-la. Pergunto : Pessoas virtuosas não seriam chatas ?
Beijos,
Celamar."