quarta-feira, 8 de dezembro de 2010




O perfil diverso da Guerra dos Cabanos

** Por Marco Albertim

No começo, a Cabanada surgiu como o prolongamento da Abrilada. Teve participação popular. Fora assim chamada porque seus figurantes viviam em cabanas de sapê. Torres Galindo, protagonista da Abrilada, proclamara a restauração de Pedro I; foi um dos seus chefes. Por trás do movimento, a organização secreta Colunas do Trono e do Altar. O propósito era pôr fim à Constituição política do Império, tida como um “trambolho.” Aos restauradores pertenciam senhores de engenho, militares e comerciantes no monopólio das atividades mercantis do Recife. Os comerciantes eram portugueses chamados de marinheiros. Já militares e proprietários moviam-se por afinidades ideológicas. Entre os militares, pontificou José Inácio de Abreu e Lima, General das Massas. Abreu lutara ao lado de Simon Bolívar nas guerras de independência da América Espanhola; em 1848 seria destacado chefe da Revolução Praieira. Vale dizer que entre os cabanos não havia homogeneidade.
Havia homens livres mais interessados em viver sob o controle da oligarquia, do que nos trancos da rudeza das matas, chefiados por Vicente Ferreira de Paula, Capitão e General de Todas as Matas. Vicente ocupara Panelas de Miranda, em Pernambuco, daí a Rebelião de Panelas. Mas foi em Jacuípe, Alagoas, que juntou-se aos chefes restauradores João Timóteo e Caetano Alves. Havia escravos “para quem a apresentação ao major ou ao bispo não tinha diferença porque significava a volta ao cativeiro, aos caprichos do seu senhor e aos bárbaros castigos a que seriam submetidos; preferiam continuar a luta, mesmo sem perspectiva de vitória, e acompanharam Vicente Ferreira de Paula para o novo reduto construído no sertão...”*
Vicente de Paula, em 16 de novembro de 1833, dissera:
“Adoramos o nosso imperador, o senhor dom Pedro I, respeitamos seu augusto filho, porém odiamo-lo no caráter de imperador porque seu pai não abdicou à coroa brasileira por sua espontânea liberdade, mas sim foi um roubo feito que todo o Brasil conhece!”
A insurgência dura três anos. Os rebelados conhecem a região e usam a tática de guerra de guerrilhas, herdada das lutas contra o domínio holandês. Atacam em pequenos grupos, de surpresa, portando facas e clavinotes e alguma munição fornecida por donos de engenhos.
Os cabanos são favorecidos ainda pela dualidade rival nas tropas do governo: de um lado o coronel José Joaquim da Silva Santiago, de outro o capitão Carapeba, José Francisco Vaz de Pinho. Hostilizam-se frente aos inimigos. Também há irregularidades no pagamento dos soldos, dando margem a saques e assaltos.
A guerra de guerrilhas inicia-se em setembro de 1832 com a captura dos principais chefes restauradores. A liderança popular insurrecional entrincheira-se nas matas. O ofensiva dos combates é revertida. As tropas do governo, sem os costumes das matas, recuam para adaptar o contingente às mudanças táticas. Propriedades senhoriais são atacadas, mostrando indícios de mudanças no perfil da insurreição. Tem início a guerra de pobres contra a sesmaria escravista do Império.
Em 1834, Manoel de Carvalho Paes de Andrade assume o governo da província, melhora o abastecimento e o armamento da soldadesca. Reforça o recrutamento e militares tidos suspeitos são presos. A capital se muda para Limeira, vizinha à área conflagrada.
Há uma epidemia de bexiga entre os revoltosos, o fracasso dos restauradores no Ceará e a informação da morte de Pedro I. Por derradeiro, cabanos donos de terras e de escravos enxergam com crescente desconfiança o rumo diverso seguido pelos cabanos ou papa-méis de 1832. Os papa-méis eram negros fugidos das fazendas, aquilombados nas matas. Nos combates, viam as chances de se tornarem homens livres. Integram o exército negro de Vicente de Paula, bandeado do exército imperial. O presidente da província de Alagoas, Vicente Tomaz Pires de Figueiredo Camargo, classifica-os de “Homens que mais se assemelham a uma horda de antropófagos do que a cidadãos...” São chamados de papa-méis porque se alimentam sobretudo do mel silvestre, bem como do mel tirado das engenhocas de rapaduras, ainda que comendo macaxeira, inhame e feijão.
O movimento se desagrega quando o governo oferece prêmios a quem entregar os chefes. Indígenas do aldeamento se entregam às autoridades, principalmente após um deles ser morto por um papa-mel. Muitos integram a tropa legalista, até atacando o quilombo Papa-Mel de Prato Grande.
Um decreto anistia implicados na guerra. Vicente de Paula foge. Os proprietários, ainda assim, temem novos ataques, posto que o chefe com um grupo menor adquirira mais mobilidade. Trezentos negros sob o comanda de Vicente de Paula estabelecem-se em Riacho do Mato até 1841. As investidas aos engenhos continuam. Mas o líder é atraído pelo frade José Plácido de Messina, e apresenta-se em Panelas de Miranda. Assistem missa campal e gritam vivas à Igreja e ao governo.
Quando estoura a Revolução Praieira, Vicente de Paula apoia o governo. Mesmo assim é enviado ao Presídio de Fernando de Noronha, sem responder a processo. Preso onze anos, é solto e morre aos 70 anos sem forças para o combate.

*O povo contra a oligarquia: a Guerra dos Cabanos – Manuel Correia de Andrade

** Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

2 comentários:

  1. Esses dados são muito bons Marco
    e extremamente esclarecedores.
    Bom, sou suspeita adoro História.
    Abração e ainda contigo.

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  2. Interessante visão de época sobre a explicação de como eram vistos os ex-escravos.

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