Tímido
na pista
*
Por Gustavo do Carmo
Era
tão tímido que irritava. Timóteo era tão retraído que parecia um
autista. O acanhamento começou na fase final da infância, motivada
pela superproteção da mãe. Acabou se prolongando na adolescência,
chegando à idade adulta e se mantendo aos 36 anos.
Formou-se
em comunicação social, jornalismo e publicidade. Logicamente nunca
conseguiu emprego. Criou barreiras por causa dos seus medos.
Desenvolveu fantasmas para justificar os seus preconceitos. Também
tinha pavor de academias de ginástica e boates.
Das
primeiras ele detestava o perfil fútil e sem inteligência dos
frequentadores que ele afirmava serem maioria. Também não gostava
de suar. Sua pele ficava oleosa demais e aumentavam os cravos e
espinhas.
Ele
poderia tomar banho no vestiário, mas tinha medo de ter os seus
pertences furtados. Nem as belas mulheres em trajes curtos, justos e
cavados o atraíam, pois elas sempre tinham namorado, noivo ou
marido. As músicas altas também o irritavam. Seu pai o cobrava
muito para frequentar uma, pois ele já estava gordo e era
sedentário.
Pior
era o ambiente nas boates: músicas eletrônicas extremamente altas e
de baixa qualidade, que mais pareciam bate-estaca do que canções.
Também tocavam “sertanejo universitário” e até funk. O
ambiente era mal iluminado, com luzes epilépticas, cheiro de
cigarro, bebidas alcoólicas, bêbados, drogados, putas, homens
fortes mal encarados, gente querendo dar o golpe do “Boa noite,
Cinderela” e o pior da praga: consumação mínima. Além disso,
morria de medo de ter um incêndio como os ocorridos na Argentina, no
Rio Grande do Sul e na Romênia.
Durante
anos, Timóteo ouviu que, para arrumar uma namorada e até um emprego
ele teria que ir a essas boates, pois nelas havia muita mulher bonita
e solteira, querendo arrumar namorado, e muitos empresários.
Mas
Timóteo sabia que, com a sua timidez, ia para lá à toa e, com
certeza, detestaria. Já foi uma vez em São Paulo, fez uma média
para o casal de amigos da irmã, mas pegou um táxi e voltou sozinho
para o hotel.
Em
outra ocasião, aqui no Rio, foi a uma boate para o lançamento de um
livro de um futuro deputado gay. Deixou o preconceito de lado.
Esperava obter contatos importantes durante a festa. Às vezes,
Timóteo tinha um impulso de correr atrás.
Fora
convidado por um ex-colaborador do seu blog na internet. Este o
apresentou a uma senhora psicóloga. Nunca mais a viu. Não conseguiu
nada. Nem amizade e nem namoro. Reclamou com o rapaz que o convidou e
ganhou um desafeto.
Só
ouviu propaganda gay. Parecia uma convenção do partido LGBT. Faltou
desfraldarem uma bandeira do arco-íris e tocarem o hino da
militância. Ainda teve que ouvir piadas e insinuações da irmã.
Jurou nunca mais pisar numa boate.
Quebrou
o juramento quando foi intimado pelo seu único amigo, Fernando.
Preocupado com o seu encalhe romântico e profissional, o chantageou:
se ele não aparecesse na boate onde faria a festa do seu
aniversário, a amizade estava acabada. Sem querer perder a única
pessoa com quem conversava na vida, Timóteo foi. Mas teve vontade de
voltar.
O
ambiente era o mesmo que o aterrorizava: escuro, música alta, luzes
exageradamente piscantes, fumaça de aromatizador enjoativo misturada
com cigarro e só servia bebidas alcoólicas. Nada de refrigerante.
Ah! Não podia faltar a consumação mínima.
Timóteo
cumprimentou o amigo apenas meia hora depois que chegou à festa.
Fernando nem deu mais atenção a ele. Ficou conversando com os seus
colegas de trabalho. Timóteo também morria de vergonha de dançar.
Cumpriu
a consumação mínima e já estava decidido a ir embora, sem se
despedir do amigo, quando este o apresentou a uma colega de trabalho
dele. Aos gritos por causa do ambiente inaudível, Patrícia contou
ser uma fã dos contos que Timóteo postava no seu blog. E estava
pensando em fazer uma proposta para produzi-los, pois era diretora de
cinema. Ela o chamou para conversar na porta da boate, onde o barulho
era menor.
Morena
e de cabelos longos, Patrícia tinha uma beleza simples, mas um corpo
escultural. Vestia um tubinho vermelho bem decotado, que escondiam
metade dos seus seios siliconados. Timóteo ficou imediatamente
apaixonado. Eles conversaram sobre a proposta e também sobre
banalidades.
Combinaram
de se encontrar no dia seguinte para tratar da adaptação e também
para convidá-lo a fazer uma visita na produtora onde ela e Fernando
trabalhavam. Acabaram se beijando.
Voltaram
para a pista e, feliz com a primeira mulher que beijou na vida,
dançou. Primeiro, ao ritmo das músicas que tocavam. Depois, na
saída, no pior sentido.
Foi
abordado por um negro alto e forte que dizia ser namorado de
Patrícia. Ele estava acompanhado de outros quatro brutamontes. Foi
covardemente agredido. Levou socos no rosto, na cabeça e nas
costelas.
Acordou
no hospital, após dois dias em coma, com a mãe preocupada, querendo
saber se ele estava melhor. A irmã, o cunhado e o pai também
estavam no quarto.
Pediu
um espelho para a mãe e se viu todo enfaixado, engessado, entubado e
o rosto totalmente inchado. Não falava direito. Teve fratura na
mandíbula. Não enxergava direito. Teve descolamento de retina. Seus
olhos estavam totalmente roxos. Passou mal com a sua aparência e
vomitou de tão nervoso.
Foi
se recuperando. Os inchaços diminuindo, a faixa na cabeça e os
gessos no corpo retirados. Usou apenas um colete. No dia que teve
alta recebeu a visita de Fernando. Ainda falando com dificuldades,
expulsou-o aos gritos.
—
Sai
daqui, seu filho da puta. É por causa de você eu estou assim! E
ainda perdi uma oportunidade de emprego e não era da Patrícia. Não
quero mais te ver. A vontade que eu tenho é de te processar.
Entendeu porque que eu odeio boate? Cretino! Vaza! Vai embora!
—
Ok.
Fernando foi embora para nunca mais voltar.
Timóteo
perdeu o seu único amigo. Jamais retomaram a amizade. Patrícia
também não o procurou. Ficou sem o emprego e sem a adaptação dos
seus contos. Soube, vasculhando no Facebook, que ela se casou e teve
filhos com o seu agressor, que foi indiciado e condenado pela
agressão, mas cumpriria a pena em liberdade.
Jurou
nunca mais pisar em uma boate. Continuou sem amigos, virgem,
desempregado e tímido na pista da vida até o fim dela, aos 50 anos,
quando morreu por causa de um aneurisma provocado pelas agressões.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Triste e dramático. Alguém que viveu e não teve história, apenas aquela noite e nada mais.
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