“Eu sou o comandante da
minha alma”
O
que Nelson Mandela tem em comum com o poeta inglês William Ernest
Henley? Objetivamente, nada. Ambos jamais se conheceram (não foram
contemporâneos), não têm a menor semelhança física (um é negro
e o outro era branco) e as diferenças, inúmeras, poderiam ser
citadas aos montes, formando extensíssima relação. Todavia...
Subjetivamente,
com tanta coisa a diferenciá-los, um se tornou importantíssimo para
o outro (e vice-versa). O elemento ativo, no caso, foi o poeta para o
líder político de espírito cordato e conciliador, exemplo de
convicção, mas, sobretudo, de perdão. Ambos tiveram em mente a
seguinte constatação: “Eu sou o comandante da minha alma”.
A
afirmação foi, obviamente, do poeta, no encerramento do poema
“Invictus”. A profunda convicção de que isso era verdadeiro,
porém, foi do herói de toda uma etnia, um dos maiores vultos
humanos do século XX (e do XXI, porquanto, morreu nele, mas atuante
até seus últimos dias), que tendo por arma somente a certeza que,
no essencial, ou seja, nos direitos e deveres e na capacidade de
raciocinar, sentir e construir, todos os homens são iguais,
conseguiu pôr fim a um dos mais hediondos e sinistros regimes que já
existiram em algum lugar, em algum tempo: o “apartheid”
sul-africano, institucionalizado por Daniel Malan, em 1948.
William
Ernest Henley tinha tudo para ser um indivíduo revoltado, choroso,
frustrado e amargo, dadas as circunstâncias dramáticas que
envolveram a sua vida, já que enfrentou dramas terríveis, em
decorrência da fragilidade da sua saúde. Mas não foi.
Nasceu
em Gloucestershire, na Inglaterra, em 23 de agosto de 1849. Quando
tinha apenas doze anos de idade, os médicos diagnosticam-lhe uma
artrite crônica, decorrente do bacilo da tuberculose. Aos dezesseis,
teve que amputar a perna esquerda, abaixo do joelho. Naquele tempo,
uma amputação era um sofrimento indizível, porquanto sequer havia
anestesia. E Henley não passava de um adolescente, de um quase
menino, doentio e fraco.
Mas
suas desventuras não pararam por aí. Aos dezoito anos, o poeta e
jornalista perdeu o pai e subitamente viu-se alçado à condição de
arrimo de família, para sustentar a mãe e os irmãos. Foi exercer o
jornalismo e fz isso com brilhantismo. Mas ao longo de toda a vida,
foram frequentes as internações em hospitais, para tratar desta ou
daquela doença. Aliás, foi num deles que conheceu Robert Louis
Stevenson, de quem se tornou amigo, amizade que persistiu enquanto
ambos estiveram vivos.
Com
tantas desventuras, contudo, Henley jamais perdeu a fé e,
principalmente, aquilo que o caracterizou a vida toda: o entusiasmo e
a paixão. Exercitou, portanto, na prática, os inspirados versos que
criou: “Eu sou o comandante da minha alma”. E era. Henley era,
sobretudo, homem de opiniões veementes e de intensas emoções.
Até
nisso, Nelson Mandela mostrou extrema competência: na escolha de uma
figura tão batalhadora, corajosa e de valor para se inspirar. Nos 27
anos em que permaneceu encarcerado – condenado, injustamente, num
arremedo de julgamento, apenas por pregar o óbvio, ou seja, a
igualdade de direitos e deveres entre negros e brancos da sua pátria
– o mítico líder, com certeza, teve vários momentos de desânimo.
E não era para menos.
Houve
inúmeras ocasiões em que sua fé vacilou e achou que tudo estivesse
perdido, que a causa que defendia não passava de utopia e que estava
só nessa luta inglória. Quando isso acontecia, porém, vinham-lhe à
memória os inspirados versos que lera na juventude, desse poeta que
morreu 15 anos antes dele nascer. A morte de Henley se deu em 11 de
julho de 1903, aos 54 anos de idade, vítima de tuberculose. Mandela,
um príncipe zulu de nascimento, nasceu em 18 de julho de 1918.
.
Nunca
lhe saíram da memória as palavras de “Invictus”:
“Do
fundo da noite que me envolve,
negra
como o Inferno dum polo ao outro,
eu
agradeço aos deuses, não importa quais,
pela
minha alma inconquistável.
Dominado
pelas circunstâncias,
não
me rebelei nem me insurgi.
Sob
os golpes do destino
minha
cabeça esta ensanguentada, mas não pendida
além
deste vale de cóleras e lágrimas
cresce
de forma nítida o horror das sombras,
e,
no entanto, a ameaça dos anos,
agora
e sempre, me encontrou sem temor.
Não
importa que estreito seja o portão,
como
cheio de castigos e pergaminho,
eu
sou o dono do meu destino
eu
sou o comandante da minha alma”.
Estes
versos, convenhamos, são bem a cara de Nelson Mandela. Parecem terem
sido escritos para ele, por encomenda. Não o foram, evidentemente.
Cabem como uma luva na sua personalidade e, sobretudo, em sua
trajetória da desgraça para a glória. São, todavia, muito mais a
cara do seu autor, de William Ernest Henley, que os sentiu na alma e
os escreveu. Os poetas... ah, os poetas…
Não
é incrível que dois homens, aparentemente tão diferentes,
separados por uma “eternidade” um do outro, fossem, todavia, tão
iguais em determinação e fé? Se Henley forneceu a Mandela um
dístico pelo qual lutar (“eu sou o comandante da minha alma”),
este retribuiu àquele com uma espécie de ressurreição. Nunca, em
tempo algum, os poemas desse poeta inglês um tanto obscuro foram tão
lidos e estudados quanto agora. E serão muito mais neste ano, que
marca o centenário de nascimento de Nelson Mandela. E, convenhamos,
bem que Henley merecia ocupar o centro do palco das atenções
mundiais, posto que 115 anos após a morte.
Boa
leitura!
O
Editor.
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