Mas
o rebanho não deixa
*
Por Henry Miller
Se
houvesse um homem que ousasse dizer tudo quanto pensa deste mundo,
não lhe restaria um palmo quadrado de terra onde ficar. Quando um
homem aparece, o mundo cai sobre ele e quebra-lhe a espinha. Restam
sempre em pé pilares apodrecidos demais, humanidade supurada demais
para que o homem possa florescer.
A
superestrutura é uma mentira e o alicerce é um medo enorme e
trêmulo. Se com intervalos de séculos aparece um homem de olhar
desesperado e faminto, um homem que vira o mundo de cabeça para
baixo a fim de criar uma nova raça, o amor que ele traz ao mundo é
transformado em fel e ele se torna um flagelo.
Se
de vez em quando encontramos páginas que explodem, páginas que
ferem e queimam, que arrancam gemidos, lágrimas e pragas, sabemos
que elas provêm de um homem com as costas na parede, um homem cuja
única defesa restante são suas palavras, e suas palavras são
sempre mais fortes que o peso mentiroso e esmagador do mundo, mais
forte que todos os ecúleos e rodas que os covardes inventam para
esmagar o milagre da personalidade.
Se
algum homem ousasse traduzir tudo quanto há em seu coração,
expressar o que é realmente sua experiência, o que é realmente sua
verdade, penso que o mundo se despedaçaria, que se reduziria a
pedacinhos e nenhum deus, nenhum acidente, nenhuma vontade poderia
jamais reunir novamente os pedaços, os átomos, os elementos
indestrutíveis que entraram na formação do mundo.
*
Escritor
norte-americano. Seu estilo é caracterizado pela mistura de
autobiografia com ficção. Muitas vezes lembrado como escritor
pornográfico, escreveu também livros de viagem e ensaios sobre
literatura e arte.
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