Doze
anos sem cana
*
Por Marcelo Sguassábia
Doze
anos de cana. Quem dera o sentido literal: doze anos de cachaça. Mas
a sentença era inapelavelmente aquilo mesmo. Cento e quarenta e
quatro meses vendo, a seco, o sol nascer quadrado.
Fosse
um preso comum, arranjaria com outros encarcerados o goró nosso de
cada dia. Ou os gorós, quantos bastassem. O que não falta é jeito
escamoteado de fazer a bebida circular com certa tranquilidade nas
Alcatrazes tupiniquins. Pinga é artigo facilmente disponível no
câmbio negro, como os cigarros, os créditos de celular e outras
moedas de troca utilizadas pela turminha em recuperação.
Mas
a cela dele era especial, isolada. Essa era sua desgraça. Até o
banho de sol era privativo, sem contato com ninguém. De que jeito
arrumar a “marvada”?
Advogados,
parentes, gente do partido, amigos, todos eram revistados antes das
visitas. Revista brava, sem chance de entrar com qualquer coisa
escondida.
A
primeira ideia, meio previsível, foi tirar proveito da notória
proximidade com algumas megaempreiteiras (em grande medida
responsáveis por conduzi-lo ao novo endereço). A intenção seria
óbvia: conceber um túnel ligando a distribuidora de álcool da
Petrobras mais próxima de Curitiba à cela do distinto. Ou seja, um
“cachaçoduto”. O problema é que o porte da obra, 100% executada
em nível subterrâneo, com certeza despertaria alguma suspeita, isso
se não chegasse a ser totalmente descoberta em razão de provável
denúncia da imprensa, intriga da oposição ou delação premiada.
A
segunda alternativa, de execução mais prática e logística mais em
conta, seria simular uma incurável e até então desconhecida mania
de limpeza. O distúrbio obrigaria que se entregasse ao “doente”
quantidades industriais de álcool doméstico, para dar vazão a um
compulsivo esfrega-esfrega das grades, paredes, algemas e outras
instalações e apetrechos do universo prisional. Evidentemente, os
litros de Zulu seriam substituídos por aguardente tipo exportação
antes de chegarem às ávidas mãos do dependente, numa orquestração
organizacional de causar inveja a Al Capone nos idos da Lei Seca.
Qualquer
que seja a opção estratégica, será preciso agir rápido: há
casos em que a falta do álcool causa mais estrago que o excesso
dele. O mundo político sabe muito bem do que um abstêmio em
desespero é capaz de fazer. E de falar.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
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