quarta-feira, 30 de maio de 2018

Editorial - Gênio da dramaturgia


Gênio da dramaturgia


O Prêmio Nobel de Literatura, de uns anos para cá, vem se caracterizando por projetar no cenário literário mundial escritores virtualmente desconhecidos fora de seus países de origem e cujas obras são acessíveis quase que exclusivamente por fechadíssimos círculos acadêmicos. Todavia, embora os responsáveis pela atribuição dessa premiação tenham cometido muitas injustiças, ao não premiar autores notoriamente merecedores, não podem ser acusado de omitir “todos” os grandes nomes do mundo literário, consagrados pelo público e pela crítica.

O Prêmio Nobel de Literatura de 1936, por exemplo, foi atribuído a um dramaturgo genial, ainda hoje considerado o “pai da dramaturgia norte-americana”, homem cuja vida chegou a ser até mais trágica do que as peças que escrevia. Esse autor tinha tamanho talento para escrever tragédias, que chegou a exigir que uma de suas obras mais célebres fossem publicadas, apenas, 25 anos após sua morte. Refiro-me a Eugene O’Neil, sem favor algum, um dos maiores escritores de peças teatrais de todos os tempos.

Vários escritores, atualmente tidos como mitos literários, ganharam projeção internacional somente depois de serem premiados com o Nobel. Posso mencionar, assim de memória, pelo menos duas dezenas deles, como Ernest Hemmingway (1954), Anatole France (1921), Albert Camus (1957), John Steinbeck (1962), Gabriel Garcia Marquez, Pablo Neruda, Rudyard Kipling, William Faulkner, Bernard Shaw, Gabriela Mistral, Henri Sienkiewicz, Sinclair Lewis, André Gide, François Mauriac e vai por aí afora.

Outros grandes mestres das letras, óbvio, poderiam ser incluídos nesta já extensa relação. São todos vastamente conhecidos pelo público e imortalizados por obras que atravessaram gerações, mantiveram a atualidade e seguem encantando leitores mundo afora. Seus méritos, ninguém se atreve a discutir. São consensuais.

Em contrapartida, inúmeros escritores, virtualmente saídos do anonimato para os holofotes da fama, mas que, mesmo após a súbita, porém fugaz notoriedade, caíram no esquecimento, também foram premiados com o Nobel. São os casos, por exemplo, de Giosué Carducci (1906), Ivo Andrii (1961), Karl Gjellerup (1917), Odysseus Alepoudelis (1979), Rudolf Eucken (1908), Franz Silampaa (1939), Haldor Laxness (1955) e Grazia Deledda (1926), entre tantos outros.

O leitor se lembra de qualquer livro desses escritores? Ou de pelo menos haver ouvido algum dia seus nomes? Dificilmente. A resposta mais provável às duas perguntas é: não. E isso não é demérito algum. Não desmerece suas obras, que provavelmente são excelentes, ao ponto de impressionarem aos membros da comissão responsável pela atribuição do Prêmio Nobel de Literatura.

Muitos editores, que têm a tarefa de difundir o que há de mais sofisticado e valioso em termos de produção literária, também jamais ouviram falar dos autores que mencionei ou sequer sabem que eles existiram. Provavelmente, foram mal divulgados. Pouco se falou deles e de seus respectivos livros na época da premiação. Não me perguntem a razão, pois, na verdade, não sei.

O mesmo já não se pode dizer de Eugene O’Neil, nome que, à simples menção, lembra “tragédia”, à qual está associado. Menino criado em colégios internos, com mãe viciada em morfina, um irmão alcoólatra e ele próprio, mais tarde, dado ao vício de beber, teve vida aventurosa e atormentada. Em muitos aspectos chega a lembrar Edgar Allan Poe, embora existam muito mais diferenças do que semelhanças entre ambos.

Ambos se diferenciam, por exemplo, quanto às ligações afetivas. Enquanto o trágico poeta de Boston nutriu doentia fixação pela frágil e macilenta Virgínia Clemm, que conheceu quando a menina tinha apenas 13 anos de idade e que amou extremadamente até que ela morresse, o dramaturgo novaiorquino teve três casamentos, dois dos quais extremamente infelizes e de curta duração. Enquanto Poe mergulhou, sem retorno, no alcoolismo e degradou-se em consequência dele, O’Neill teve forças para reagir ao vício e, após submeter-se a sessões psicanalíticas, tornou-se rigoroso abstêmio.

Enquanto o escritor bostoniano, em sua obra, descambou para o tétrico, o misterioso e o aterrorizante (de maneira insuperável e magistral, reconheça-se), o dramaturgo mergulhou na alma do cidadão comum e foi, provavelmente, o maior crítico da modernidade, com seu artificialismo e sua opressão. Opôs, ao realismo, que execrava, um novo tipo de misticismo, coletivo, de multidões, nunca escondendo, porém, um renitente pessimismo que, aliás, dominou por muitos anos todo o teatro norte-americano.

Provavelmente, a obra de Eugene O’Neill tem tamanha aceitação por ser toda ela elaborada com base em experiências pessoais. Tem, por isso, aquele caráter de autenticidade, de sinceridade, de verossimilhança indispensáveis às obras-primas. O dramaturgo culminou sua produção com a elaboração dessa preciosidade dramática que é “Longa jornada noite adentro”, peça que vetou por 25 anos após sua morte, escrita em 1941. Justificou o veto afirmando que um dos personagens ainda estava vivo. Somente omitiu o fato que este era ele próprio.

A família, no entanto, não respeitou sua determinação. Passados apenas três anos da morte de Eugene O’Neill, a magnífica peça foi publicada e, posteriormente, levada ao palco em Nova York, chegando, pouco tempo depois, ao Brasil, em 1958. Voltarei, com certeza, a tratar desse escritor. Sempre volto quando se trata de gênios em suas respectivas atividades.


Boa leitura!

O Editor.

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