O
fetiche do poder
*
Por Frei Betto
A
partir de agora o presidente da China pode ser sucessivamente
reeleito. Isso significa um retrocesso aos tempos imperiais. A
diferença é não ser considerado imperador, e sim ditador.
Com
plenos poderes nas mãos, Xi Jinping cuidará de afastar da máquina
pública todos os potenciais adversários. Só dois fatores poderão
derrubá-lo: um golpe de Estado ou a morte. “O poder desperta a
ambição e faz multiplicar a cobiça”, dizia Aristóteles. Os
espanhóis cunharam um provérbio que diz o mesmo em outras palavras:
“Si quieres conocer a Juanito, dale un carguito” (Se queres
conhecer a Juanito, dá-lhe um carguinho). Em dois anos no Palácio
do Planalto, como assessor presidencial, aprendi que o poder não
muda ninguém, faz com que as pessoas se revelem.
Por
que o poder é a mais sedutora ambição do ser humano e a maior de
todas as tentações, acima do dinheiro e do sexo? Porque
virtualmente possibilita a realização de todas as demais ambições.
Ele “diviniza” o poderoso. Sempre cercado de quem lhe faz eco, se
reveste de imunidade e impunidade. Qualquer de suas palavras e
atitudes é sucedida de elogios, o que o priva da capacidade de
autocrítica.
O
poder nasceu democrático. Toda a tribo debatia como abater o mamute
e distribuir a carne à satisfação de todos. À medida que a tribo
trocou o nomadismo pelo sedentarismo, tornou-se possível conservar o
excedente da caça e da colheita. A apropriação desse excedente
empoderou seus responsáveis. Poder legitimado por xamãs,
feiticeiros e sacerdotes que sacramentaram a autoridade da minoria
sobre a maioria.
Se
na monarquia o poder se deslocou de Deus para os reis, na democracia
ele trocou o trono pelas ruas. O poder seria concedido pelo povo e em
seu nome exercido. Isso de fato jamais aconteceu. Os eleitos criaram
uma enorme barreira entre a rua e o palácio – a burocracia
estatal. Instituições intermediárias, como partidos, ministérios,
agências reguladoras e o aparato policial militar, tornam o governo
praticamente impermeável às demandas populares.
O
poder é, sim, permeável às demandas da elite, manifestadas pela
mídia, bancos e empresas. Em uma sociedade marcada por abissal
desigualdade social, o poder é sempre monopólio da minoria
afortunada.
A
fratura mais grave da democracia é a que separa poder político do
poder econômico e submete o primeiro ao segundo. O eleitor vota, a
elite financeira elege. Os cidadãos não apenas são excluídos das
decisões que regem a economia, como também são retalhados em
classes sociais distintas e antagônicas de acordo com a renda a que
têm acesso. Mais importante do que saber quem exerce o poder é
discernir para quem ele é exercido. Para uma classe minoritária?
Para a maioria da população? “A loucura dos grandes precisa ser
vigiada”, alertou Shakespeare.
Em
ano eleitoral, os eleitores devem pesquisar bem o perfil e a vida
pregressa de cada candidato. E votar naqueles que inspiram confiança
de agir com ética por mudanças estruturais em favor da maioria da
população.
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Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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