O
estranho olhar do meu gato
*
Por Emanuel Medeiros Vieira
Sim:
aquele gato preto tinha um olhar estranho.
Olhava
a gente com perspicácia, lia-nos lá dentro – extrema fundura.
Sabia
de tudo.
Mas
esse olhar era também de piedade.
TENDES
MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!
Na
penúltima vez em que fui internado, carregaram-me, mas ainda pude
ver da porta o seu olhar – agora de uma compaixão enorme.
Estava à beira da morte, mas safei-me.
Era um safar-se constante.
Acariciei-o,
alimentei-o – amava-o.
Não tinha nome o bichano.
E ele percebia tudo antes de nós.
Seu ronronar era suave, até melancólico – revoltado?
Os donos e seus gatos se parecem, já disseram.
TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!
No
dia da minha morte, antes de fechar os olhos e deixar esse absurdo
mundo, sei que vou vê-lo.
Seu olhar indicará um sorriso, uma compaixão, como se estivesse dizendo: “é hora de descansar”.
Pois então descansarei, meu amigo. Até logo! Somos rápidos nessa passagem, meu irmão.
(Brasília,
março de 2018)
*
Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em
Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do
efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo
nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava
simpósios”, entre outros. Foi indicado ao Prêmio Nobel de
Literatura de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário