sexta-feira, 4 de maio de 2018

O estranho olhar do meu gato - Emanuel Medeiros Vieira


O estranho olhar do meu gato



* Por Emanuel Medeiros Vieira


Sim: aquele gato preto tinha um olhar estranho.

Olhava a gente com perspicácia, lia-nos lá dentro – extrema fundura.

Sabia de tudo.

Mas esse olhar era também de piedade.

TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!
Na penúltima vez em que fui internado, carregaram-me, mas ainda pude ver da porta o seu olhar – agora de uma compaixão enorme.

Estava à beira da morte, mas safei-me.

Era um safar-se constante.

Acariciei-o, alimentei-o – amava-o.


Não tinha nome o bichano.

E ele percebia tudo antes de nós.

Seu ronronar era suave, até melancólico – revoltado?

Os donos e seus gatos se parecem, já disseram.

TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!
No dia da minha morte, antes de fechar os olhos e deixar esse absurdo mundo, sei que vou vê-lo.

Seu olhar indicará um sorriso, uma compaixão, como se estivesse dizendo: “é hora de descansar”.

Pois então descansarei, meu amigo. Até logo! Somos rápidos nessa passagem, meu irmão.


(Brasília, março de 2018)

* Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros. Foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura de 2018.  


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