domingo, 13 de maio de 2018

Editorial - Aprendizado e compreensão


Aprendizado e compreensão


O aprendizado e a compreensão nem sempre (ou quase nunca) andam juntos, de mãos dadas, embora haja quem os considere sinônimos. Evidentemente, não são. Podemos, por exemplo, aprender a operar determinada máquina (um computador, para citar a mais comum), sem que compreendamos, sequer minimamente, a razão do seu funcionamento, ou seja, seu hardware e seu software. O mesmo ocorre em relação a inúmeros outros processos, trabalhos, mecanismos e conceitos, nas mais variadas atividades e na própria vida.

Vivemos aprendendo, aprendendo e aprendendo, diariamente, do berço à tumba, mas, na maioria das vezes, sem compreender significados e necessidades. Caso sejamos bem-educados, por termos nascido em lares sadios e bem estruturados, em que reinem o amor e a cooperação, ensinam-nos, em tenra idade ainda, que devemos ser corteses, amáveis, justos e respeitadores intransigentes dos direitos alheios.

Aprendemos tudo isso mesmo sem compreender a razão. A compreensão do por que isso é preciso, nos relacionamentos – quer familiares, quer sociais, quer profissionais – só vamos conseguir (e isso quando conseguimos) muitos anos depois. Alguns, por um motivo ou outro, jamais compreendem.

Quando eu era adolescente, tinha, no antigo ginásio, aulas de latim. Achava uma chatice ter que aprender declinações, conjugações de verbos e todas as regras gramaticais de uma língua tida como morta. Aprendia as lições ensinadas até por necessidade (ai se não aprendesse), para não vir a ser reprovado e ter de me explicar para os meus pais.

Depois de um certo tempo, conseguia traduzir, sem muito esforço e praticamente sem erros, textos enormes sobre os sete reis de Roma ou expedições militares de Júlio César, entre outros. Tenho esse conhecimento, óbvio, até hoje.

Não compreendia, na ocasião, porém, a razão dessa matéria constar no currículo. Fui compreender, apenas, anos depois, já maduro, o quão privilegiado fui por ter acesso a esse conhecimento. Quem não o teve, não faz a menor idéia do que perdeu.

O aprendizado do latim possibilitou-me, entre outras coisas, o entendimento da origem de boa parte das palavras deste idioma que tanto amo e que cultuo com interesse e veneração: nossa língua portuguesa. Afinal, elas se originaram dessa antiga e tradicional matriz que, agora sim, começa a morrer de vez. Nem a liturgia da Igreja Católica a utiliza mais.

E o latim, recorde-se, é importante não apenas para se aprender bem o português. Se quiser conhecer razoavelmente suas “irmãs”, o espanhol, o francês e o italiano, que igualmente tive o privilégio de aprender, ele serve de excelente base. E mesmo o inglês, por estranho que possa parecer, já que quase a metade dos termos que constam em seus dicionários proveio dessa raiz.

Como se vê, aquilo que um dia me pareceu um tormento sem fim, se transformou em fonte inesgotável de satisfação. Mas isso aconteceu somente depois que cheguei à compreensão. A baronesa alemã, que foi excelente escritora em língua germânica, Marie von Ebner Eschenbach, constatou, a esse propósito: “Na juventude aprendemos, na maturidade, compreendemos”. Geralmente, é o que, de fato, acontece.

Mas isso não funciona, assim, como regra universal, absoluta e inflexível, como uma espécie de dogma que não possa ser contestado. Há determinadas coisas que somos capazes de compreender na mais tenra infância e há outras que não conseguimos nunca, mesmo que venhamos a viver cem anos ou mais. Não se trata, pois, de questão cronológica, mas de interesse, disciplina, força de vontade, acuidade mental etc.etc.etc..

Ademais, os níveis de compreensão não são uniformes. Ou seja, não são iguais para todo o mundo (assim como os de aprendizado também não são). Há graduações e mais graduações, e em ambos os casos.

Uns aprendem mais facilmente que os outros. Da mesma forma, há os que compreendem até os conceitos mais complexos, das artes, ciências, filosofia etc. com extrema facilidade, enquanto existem outros tantos, muitos outros (provavelmente a maioria) que jamais logram chegar sequer minimamente a essa compreensão.

Claro que o ideal é contarmos com esses dois fatores que sustentam e definem a própria racionalidade desta espécie paradoxal e contraditória, simultaneamente. Aprender qualquer coisa e, ao mesmo tempo, compreender sua essência, mecanismos e utilidades, é uma bênção, que nem sempre nos acontece. E isso independe de qual faixa etária nos situamos ou de quantos anos vivemos.


Boa leitura!

O Editor.


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Um comentário:

  1. A tecnologia da informação, você a citou como coisa que usamos e não compreendemos em sua totalidade. Acertou em cheio para explicar sua tese.

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