Moral ou imoral? Natural
* Por Pedro J. Bondaczuk
O assunto “sexo”, por muitos e muitos anos – até bem recentemente – foi
tido e havido como tema tabu. Bastava que alguém mencionasse o assunto, mesmo
que de passagem, e fosse em que contexto fosse, para ser de imediato reprovado
pelos que o cercavam. A simples menção a esse ato natural, naturalíssimo,
instintivo e essencial à vida (afinal, é a sua origem) era considerada
“imoral”. Havia (e em alguns círculos ainda há) muita hipocrisia em torno do
assunto. As pessoas poderiam “praticar” o sexo (só faltava proibir isso!),
reservadamente, mas... ai de quem ousasse falar a respeito!
Em literatura o assunto era proibido. Proibidíssimo. Muitos livros (mas
muitos mesmo) notáveis obras-primas da literatura mundial – hoje consagradas,
pelo público, e consideradas clássicas – foram proibidos por décadas pelas
autoridades, com prejuízos enormes para seus autores e para os editores que
ousavam publicá-los. E os que não sofriam essa proibição oficial, chegavam às
mãos de raríssimos leitores. Por que? Por falta de sanção, e da conseqüente
autorização, de pais, de educadores, de líderes religiosos etc. O instintivo, o
indispensável, o natural era tido e havido como vicioso, pecaminoso e, sobretudo,
imoral.
Claro que o sexo sempre esteve presente em literatura, e em todos os
gêneros, mas, e por muito tempo, era apenas insinuado, sugerido de forma sutil,
mediante inúmeros artifícios, metáforas e eufemismos. Apenas não era
“explicitado”. Sua prática ficava implícita nos enredos. E esse caráter de
mistério, de algo proibido, excitava a imaginação, notadamente dos jovens e dos
adolescentes, muito mais do que o mais pornográfico dos textos atuais. O tiro,
portanto, saía pela culatra. Os livros proibidos eram os mais procurados.
Pudera!
Ainda hoje há muita discussão, por exemplo, sobre o que é meramente
erótico e o que é pornografia. Em ambos os casos, o escritor aborda o sexo em
seus diversos aspectos, principalmente no da sua consumação, o ato sexual em si.
O que os diferencia? No fundo, no fundo, nada! É somente questão semântica.
Diria que o bom-gosto na linguagem empregada. E só.
Talvez a diferenciação do trato de uma transa em um texto classificado
de erótico e em outro tido como pornográfico esteja nem tanto na forma
metafórica e até lírica de se expressar de um e na expressão rude e desbocada
de outro. Talvez esteja na forma de se tratar a mulher. No primeiro caso, ela é
colocada como musa inspiradora e reverenciada como tal, como ser humano precioso
e nobre que é. E no segundo, não passa de mero “pedaço de carne” que existe,
apenas, para o prazer masculino. Mas até essa diferenciação é contestável.
Bem, esse assunto é extenso, complexo, fascinante e sumamente polêmico,
com muitos aspectos a considerar, e pode render páginas e mais páginas sem que
venha a se esgotar. Minha pretensão, porém, não é a de produzir um ensaio a
propósito. Esta introdução, inusitadamente longa, é apenas para informar o
leitor que um livro proibido na Inglaterra por 32 anos, considerado
“pornográfico” e “imoral”, e que hoje é visto como obra-prima da literatura
mundial, está sendo relançado no Brasil. Refiro-me ao romance “O amante de Lady
Chatterley”, do poeta e prosador David Herbert Lawrence, mundialmente conhecido
como D. H. Lawrence.
Trata-se de edição muito bem cuidada, a cargo da Companhia das Letras,
com primorosa tradução de Sergio Flaksman e ainda mais valorizada por um ensaio
a propósito da escritora Doris Lessing, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura
de 2007.
Leiam-no, porque se trata de um romance que vale a pena ser lido. Mas
não esperem descrições detalhadas de sexo explícito, porquanto irão se
decepcionar. Lawrence trata, nesse livro lançado em 1920 (e cuja venda foi
liberada na Inglaterra apenas em 1952), do relacionamento extraconjugal da
principal personagem, Constance, com o empregado de sua mansão, Oliver, com
delicadeza, lirismo, beleza e bom-gosto. Aí é que está seu principal mérito. Ou
seja, tratar de um tema aparentemente escabroso, com serenidade, grandeza,
beleza e bom-gosto.
Quem se escandalizou com esse livro (e muitos parecem ter se
escandalizado com ele), talvez tivesse um enfarte se lesse a obra, por exemplo,
de um Henry Miller, com sua trilogia “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”, que, ademais,
sequer pode ser classificada de pornográfica. Imaginem se eles lessem os
romances de uma Adelaide Carraro! E se acessassem um dos milhares de sites
especializados em pornografia, que existem em profusão, internet afora!
Embora o enredo gire em torno de um adultério, no caso o da personagem
Constance com o empregado Oliver, este era não somente do conhecimento do
marido, como consentido por ele. Mais: sugerido e incentivado pelo suposto
“traído”. Explico (tomando o devido cuidado de não revelar o desfecho, para não
estragar sua surpresa, caro leitor). Constance Reid, bela mulher, jovem e cheia
de vida, casa-se com o oficial inglês, Clifford Chaterlley. Todavia, mal o
casal terminou a lua-de-mel, o soldado é chamado de volta ao quartel e enviado
para um campo de batalha, pois na época estava no auge a Primeira Guerra
Mundial.
O homem é gravemente ferido. Retorna inválido, não apenas sem poder
andar, tendo que se valer de uma cadeira de rodas para se locomover, mas perde,
também, as funções sexuais. Clifford, todavia, amava demais a esposa, sem
egoísmo e sem reservas. Além do que, era homem refinado e compreensivo.
Preocupado, pois, com a situação de sua jovem e fogosa mulher, não somente
autoriza, como recomenda a Constance que encontre um amante. De início, ela se
escandaliza com isso. Depois, premida pelo instinto, pelo intenso desejo,
começa a cogitar dessa possibilidade. Até que, finalmente, se rende aos apelos
da carne.
Mas não escolhe nenhum sujeito atlético, algum Adônis, belo e atraente.
Longe disso. Oferece-se e seduz Oliver, “baixo, feio e rude, mas que tem, para
ela, a força da natureza”. O amante escolhido é empregado da mansão e vive numa
cabana da propriedade. Bem... mais do que isso não vou revelar. Comprem o
livro, magistralmente escrito, para saberem o desfecho.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
É bem isso. O choque do fato e o perdão dado pelas circunstâncias. Oliver treinava falcões.
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