Olhou firme e direto
* Por
Osvaldo Pastorelli
Olhou firme e direto
e, direto e firme, disse com voz de taquara rachada:
- Um uisquinho vai
bem, não acha?
Tinha a mania dos
uisquinhos. Por qualquer motivo era um uisquinho aqui, um uisquinho ali, e
enquanto não secava a garrafa não saia de perto dela.
A única coisa de positivo
nisso tudo, é que ele não desabava, não se embriagava, ficava alegre, mas não
chegava a ficar com a língua enrolada e muito menos trançava as pernas. Quem o
visse depois de entornar uma garrafa goela abaixo não acreditava. Fazia o
quatro com as pernas na maior facilidade.
Baixinho, feio,
careca, bigode azulado sem cor definida, os olhos inquietos, sempre navegando
de um lado para o outro, se destacava com relativo sucesso entre as mulheres.
Proclamava-se incorrigível conquistador. Coisa que os amigos colocavam em
dúvida, apesar de que viram sair do hotel de braço dado com a loira gostosa do
quinto andar.
- Aquela não vale não
conta, ela dá para qualquer um, pior que chuchu. – diziam os fisicamente
despeitados.
Ouvia os comentários e
não dava pelota. Chegava até sentir prazer. Sabia que um dia era da caça e
outro do caçador. E ele sempre era o caçador.
Uma noite, depois de
levar a caça, sã e salva para a casa, despreocupado pisava no calçamento em
direção a estação do metro. Faltavam ainda três quarteirões quando, sem saber
de onde, ouviu uma voz:
- Tem fogo?
Olhou para os lados e
não viu ninguém. Olhou para trás, ninguém. Continuou andando.
- Tem fogo?
Parou assustado. Quem
seria? Não via ninguém. Efeito alcoólico? Tudo bem, mas que o deixasse em paz.
- Vá à merda quem
seja. – disse ele.
- Tem fogo? –
perguntou novamente a voz sinistra.
Desprezou, não quis
saber quem era ou se era alguém mesmo que estava querendo assustá-lo. Não deu
resposta, e ao virar a esquina, seu coração deu um pulo dentro do peito. O que
viu petrificou suas pernas na calçada úmida da madruga.
À sua frente estava
uma enorme garrafa de uísque que se inclinava para ele.
- Tem fogo? –
perguntou a garrafa com um cigarro enorme na boca.
Na boca?! Garrafa tem
boca?
No dia seguinte o encontraram
morto, abraçado com uma garrafa de uísque onde podia se ver no rótulo um
cigarro aceso.
*
Poeta e escritor.
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