domingo, 24 de julho de 2016

Alô, telemarketing

* Por Aleilton Fonseca


Tem cabimento uma coisa dessas? A pessoa está em casa lendo seu jornal, ou assistindo à TV, ou lavando os pratos, ou revendo o álbum de fotografia, ou apenas tirando um cochilo, então o telefone toca. Ao atender, com a maior boa vontade, depara-se com a voz impostada e a simpatia simulada da moça do telemarketing, especializada no uso gratuito de gerúndios.
– Bom dia, eu poderia estar falando com o Seu Fulano de Tal?

Se você é o Fulano de Tal, basta proferir uma única palavra, e pronto! Está fisgado. Ela, com um festivo tom de conversa, diz que o banco tal aprovou para você um mágico cartão, com facilidades encantadoras, crédito pré-aprovado de alguns mil reais e patati e patatá, etc e coisa e tal. E tenta completar assim o golpe de sedução:
– O senhor vai poder estar retirando um empréstimo de 5 mil reais...

Certa vez, alvejado por essa artilharia pesada, contra-ataquei na hora.
– Moça, eu não preciso de empréstimo. Ao contrário, posso até emprestar esse valor ou mais ao seu banco, quer? – esnobei um pouco para ver se ela se tocava e desistia de “estar me aporrinhando” tanto.

Ela não se tocou, ou se fez de desentendida. Passou a discorrer sobre as maravilhas do cartão, dos rentáveis fundos, do seguro, do fundo de aposentadoria. E enumerou diversas formas de sequestrar o meu pobre dinheirinho da minha conta corrente.
– Basta o senhor estar confirmando seus dados, e o cartão estará sendo enviado para o seu endereço automaticamente...
– Não... não quero..., não... não estou interessado...
– ... e o senhor poderá estar dispondo de nosso atendimento especial em sua casa...
– Não, não estou interessado... – eu insistia, mas ela parecia surda.
– ... vou estar agendando uma visita do nosso consultor para...
– Não, senhora! – e desliguei o telefone, sufocado com a insuportável saraivada de gerúndios.

Um amigo desenvolveu uma boa tática para se livrar desse famigerado tele-assédio. Ele atende, diz que vai chamar a pessoa interessada, larga o telefone na mesa, e deixa o tempo passar até que a moça desista e interrompa a ligação. O problema é que voltam a ligar algum tempo depois.

Para meu espanto, a minha mulher desenvolveu uma forma engenhosa e infalível de se desvencilhar da insuportável matraca gerundiva. Toda vez que a moça pergunta pela dona da casa, ela assume uma voz de diarista distraída e vai logo explicando:
– A patroa tá viajando, tou aqui só fazendo a faxina; deseja estar deixando um recado?
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Do livro “A mulher dos sonhos & outras histórias de humor”, Itabuna: Via Litterarum, 2010.

* Aleilton Fonseca é escritor, Doutor em Letras (USP), professor titular pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana, membro da Academia de Letras da Bahia, da UBE-SP e do PEN Clube do Brasil.



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