sábado, 23 de julho de 2016

Um país de todos?



*  Por Marcos Alves


Há mais de 40 anos, as terras de pequenos produtores rurais no sul de Minas Gerais ficaram debaixo d’água. Eram os antigos proprietários da imensa área inundada  para a chegada de Furnas Centrais Elétricas. A usina era um sinal de progresso; o país em pleno milagre econômico precisava de energia para produzir mais e cumprir seu destino de nação do futuro.

Pessoas que foram obrigadas a aceitar indenizações discutíveis e insatisfatórias e ainda deixar o lugar onde pretendiam passar senão o resto, pelo menos boa parte de suas vidas. Muita gente mudou para outros estados, outras cidades. Deixaram para trás um passado submerso nas águas hoje bastante poluídas que, nos períodos de seca, deixam à mostra as ruínas das casas onde viveram essas famílias.

Há poucos dias li "Nunca seremos felizes" de autoria de Jeferson de Andrade, um romance que relembra a época da inundação dessas terras sob um olhar 'estrangeiro'. O personagem principal é um homem de meia-idade que, ainda adolescente, deixou a cidade natal rumo à metrópole. Ao voltar décadas depois para o sepultamento do avô, durante um final de semana, faz uma incursão pela vida e histórias de quem ficou na pequena cidade.

Relata o tamanho da frustração dessas pessoas que acreditaram em um país melhor, esperaram em vão por uma melhora de vida seduzidos pelas promessas de desenvolvimento, geração de empregos, renda, etc. O título é perfeito: "Nunca seremos felizes". À angústia do personagem central, imerso em recordações da infância livre e desprendida, se junta a constatação de que toda aquele alvoroço na época da chegada de Furnas não passou de um embuste.

Um triste e realista retrato do Brasil contemporâneo, não muito diferente de outros países subdesenvolvidos, onde as inovações e mudanças chegam sem questionamentos, não são discutidas como deveriam e depois acabam por deixar um rastro de incompreensão e ressentimento, ou até pior. Há quem nunca se recupere de certas mudanças, ainda mais quando são impostas.

Jeferson de Andrade faz uma interessante analogia entre os acontecimentos na década de sessenta, no sul de Minas, e a recente história do Brasil. Sonhos e desilusões que conhecemos bem: o fim da ditadura como o prenúncio de uma vida mais libertária, mas que trouxe consigo os vícios e armações de um congresso corrupto, a serviço de interesses de uma minoria que detém o poder econômico e muitos privilégios.

A sucessão de presidentes civis eleitos, mas que por motivos diversos não governaram, ou não chegaram ao final do mandato, como Tancredo Neves e Fernando Collor. Depois, os duplos mandatos de FHC e Lula. O primeiro, conhecido pela generosidade com que conduziu as privatizações e o socorro aos banqueiros. O segundo, saudado como homem do povo, hoje é mais conhecido nos setores esclarecidos pelas denúncias intermináveis de corrupção dentro da equipe de governo.

Em "Nunca seremos felizes", o autor ilustra bem essa sensação de impotência dos brasileiros diante dos desmandos dos nossos políticos. "Marechal", personagem real desse enredo triste e revelador, homem sexagenário e com problemas mentais, dispunha de algumas economias guardadas na caderneta de poupança. Teve a infelicidade de fazer parte daquelas pessoas que tiveram os recursos retidos por ocasião da eleição de Collor – o presidente que disse ter apenas uma "bala" para acertar um alvo tinhoso: a hiperinflação.

Ficou sem o dinheiro e passou o resto dos seus dias sem entender o que tinha se passado. Sem saber se realmente ajudou seu país ou foi ludibriado. Morreu triste e esquecido mesmo depois de ter dado tudo o que tinha, ainda que involuntariamente, para o Governo do Brasil. Uma verdade absurda, dessas que deveriam nos fazer sair do estado de inércia e clamar, a plenos pulmões, por decência e respeito com o nosso Brasil.

Será que, de fato, nunca seremos felizes? Quando poderemos confiar que, de fato, seremos ouvidos pelos que nos governam? Por que nossos governos trabalham somente para os brasileiros do topo e da base da pirâmide, sempre em troca de votos e dinheiro? Será que nossos filhos e netos terão o direito de sonhar com um país melhor sem que depois fiquem decepcionados?

Perguntas sem resposta e uma única certeza: o futuro vem aí. De uma forma ou de outra. E estamos todos nesse mesmo barco.


* Jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário