Um país de todos?
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Por Marcos Alves
Há mais de 40 anos, as
terras de pequenos produtores rurais no sul de Minas Gerais ficaram debaixo
d’água. Eram os antigos proprietários da imensa área inundada para a chegada de Furnas Centrais Elétricas.
A usina era um sinal de progresso; o país em pleno milagre econômico precisava
de energia para produzir mais e cumprir seu destino de nação do futuro.
Pessoas que foram
obrigadas a aceitar indenizações discutíveis e insatisfatórias e ainda deixar o
lugar onde pretendiam passar senão o resto, pelo menos boa parte de suas vidas.
Muita gente mudou para outros estados, outras cidades. Deixaram para trás um
passado submerso nas águas hoje bastante poluídas que, nos períodos de seca,
deixam à mostra as ruínas das casas onde viveram essas famílias.
Há poucos dias li
"Nunca seremos felizes" de autoria de Jeferson de Andrade, um romance
que relembra a época da inundação dessas terras sob um olhar 'estrangeiro'. O
personagem principal é um homem de meia-idade que, ainda adolescente, deixou a
cidade natal rumo à metrópole. Ao voltar décadas depois para o sepultamento do
avô, durante um final de semana, faz uma incursão pela vida e histórias de quem
ficou na pequena cidade.
Relata o tamanho da
frustração dessas pessoas que acreditaram em um país melhor, esperaram em vão
por uma melhora de vida seduzidos pelas promessas de desenvolvimento, geração
de empregos, renda, etc. O título é perfeito: "Nunca seremos
felizes". À angústia do personagem central, imerso em recordações da
infância livre e desprendida, se junta a constatação de que toda aquele
alvoroço na época da chegada de Furnas não passou de um embuste.
Um triste e realista
retrato do Brasil contemporâneo, não muito diferente de outros países
subdesenvolvidos, onde as inovações e mudanças chegam sem questionamentos, não
são discutidas como deveriam e depois acabam por deixar um rastro de
incompreensão e ressentimento, ou até pior. Há quem nunca se recupere de certas
mudanças, ainda mais quando são impostas.
Jeferson de Andrade
faz uma interessante analogia entre os acontecimentos na década de sessenta, no
sul de Minas, e a recente história do Brasil. Sonhos e desilusões que
conhecemos bem: o fim da ditadura como o prenúncio de uma vida mais libertária,
mas que trouxe consigo os vícios e armações de um congresso corrupto, a serviço
de interesses de uma minoria que detém o poder econômico e muitos privilégios.
A sucessão de
presidentes civis eleitos, mas que por motivos diversos não governaram, ou não
chegaram ao final do mandato, como Tancredo Neves e Fernando Collor. Depois, os
duplos mandatos de FHC e Lula. O primeiro, conhecido pela generosidade com que
conduziu as privatizações e o socorro aos banqueiros. O segundo, saudado como
homem do povo, hoje é mais conhecido nos setores esclarecidos pelas denúncias
intermináveis de corrupção dentro da equipe de governo.
Em "Nunca seremos
felizes", o autor ilustra bem essa sensação de impotência dos brasileiros
diante dos desmandos dos nossos políticos. "Marechal", personagem
real desse enredo triste e revelador, homem sexagenário e com problemas
mentais, dispunha de algumas economias guardadas na caderneta de poupança. Teve
a infelicidade de fazer parte daquelas pessoas que tiveram os recursos retidos
por ocasião da eleição de Collor – o presidente que disse ter apenas uma
"bala" para acertar um alvo tinhoso: a hiperinflação.
Ficou sem o dinheiro e
passou o resto dos seus dias sem entender o que tinha se passado. Sem saber se
realmente ajudou seu país ou foi ludibriado. Morreu triste e esquecido mesmo
depois de ter dado tudo o que tinha, ainda que involuntariamente, para o
Governo do Brasil. Uma verdade absurda, dessas que deveriam nos fazer sair do
estado de inércia e clamar, a plenos pulmões, por decência e respeito com o
nosso Brasil.
Será que, de fato,
nunca seremos felizes? Quando poderemos confiar que, de fato, seremos ouvidos
pelos que nos governam? Por que nossos governos trabalham somente para os
brasileiros do topo e da base da pirâmide, sempre em troca de votos e dinheiro?
Será que nossos filhos e netos terão o direito de sonhar com um país melhor sem
que depois fiquem decepcionados?
Perguntas sem resposta
e uma única certeza: o futuro vem aí. De uma forma ou de outra. E estamos todos
nesse mesmo barco.
*
Jornalista
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