quinta-feira, 14 de julho de 2016

A vez é dos bentevis


 As andorinhas deixaram Campinas – que neste 14 de julho de 2016 completa 242 anos de fundação - há mais de meio século, conforme tratei em recente crônica, para nunca mais voltar. Ficaram, todavia, os pardais, sabiás e bentevis. Dos primeiros nem quero tratar, pois existem em praticamente todas as cidades do mundo e não apresentam nenhum atrativo especial, a não ser a sua quantidade. São tantos, que emprestam seu nome à gíria da moeda de menor valor entre nós, as cédulas de R$ 1. Aliás, nos tempos do velho e quase inútil cruzeiro, principalmente naquele período de hiperinflação galopante no País (de triste memória, por sinal) essa designação caía até melhor.

As andorinhas se foram? Pior para elas! Quanto aos sabiás... Bem, talvez trate deles numa outra ocasião. Hoje, proponho-me a abordar uma ave que há, em Campinas, em relativa profusão e desde antes do primeiro homem haver posto os pés por aqui, quando estas paragens eram conhecidas como Mato Grosso de Jundiaí, por suas características de mata fechada, com grande quantidade de árvores gigantescas, em especial o jequitibá. Hoje, desse espécime nativo resta um único e solitário “herói da resistência”, em frente ao Paço Municipal. Havia, não faz muito, dois, mas um deles não resistiu à inclemência do tempo e foi posto a pique por um vendaval, num desses temporais que vira e mexe se abatem, subitamente, sobre a cidade. A ave a que me refiro (e o leitor inteligente já percebeu) é o bentevi (conhecido como kiskadi em Portugal).

Nas árvores, em frente à minha casa, no bairro Jardim Chapadão (exata divisa com o Castelo), há vários ninhos desses pássaros que me acordam todas as manhãs com seus cantos estridentes, como que saudando a alvorada. Acostumei-me com eles e sinto uma falta incrível dos mesmos quando viajo e não os ouço nos hotéis em que me hospedo nas cidades pelo Brasil afora. Já fazem parte da minha rotina diária. Incorporaram-se, definitivamente, na minha vida.

Gosto dos bentevis e por uma série de motivos. Um deles, por exemplo, é o seu aspecto, o seu jeito, a sua plumagem. São bonitos na sua coloração amarela viva (no ventre, com uma listra branca no alto da cabeça). Aliás, parte do seu nome científico (Pitangus Sulphuratus) deve-se exatamente a essa cor. Sulphuratus, em latim, quer dizer enxofre. E este, qualquer criança sabe, é amarelo. Os índios chamavam esse pássaro de “Pitangaguassu” (pitanga grande). Realmente, ele guarda alguma remota semelhança com essa fruta, tão deliciosa, e que me desperta tantas lembranças da infância.

Na Argentina, o nome pelo qual é conhecido não condiz nada, nada, com seu porte. Ali é chamado de “Bichofeo”. Que injustiça! Acho, como já declarei, o bentevi belíssimo! Mas é uma questão de gosto que, afinal, não se discute. Os bolivianos chamam-no de “Frio”, apesar do calor que parece emanar, quer no porte, na plumagem, quer no seu canto, apressado e nervoso. Mas o nome é o que menos importa.

Outra característica do bentevi que me fascina é a sua fidelidade. Os ornitólogos dizem (e quem sou eu para contestar os especialistas?) que se trata de uma ave monogâmica. O casal, depois de se conhecer, fica junto por toda a vida. Macho e fêmea compartilham as responsabilidades e constroem, juntos, o ninho, com capim e pequenas ramas de vegetais, em galhos de árvores geralmente bem-cerradas. É muito comum, todavia, vê-los em cavidades de postes. Afinal, há tempos que já se adaptaram às cidades, em convivência pacífica com os homens (alguns) e se tornaram pássaros urbanos.

Uma terceira característica que me agrada nos bentevis é a sua coragem. Após a fêmea postar os ovos, o casal defende, com vigor, o território ao redor do ninho, podendo ser agressivo com outras aves, ou até mesmo com animais (como os gatos) caso se sintam ameaçados. Por essa razão, os ornitólogos classificam-nos na família dos tiranídeos (de tirano).

Com apenas 24 centímetros de comprimento, é comum ver-se os valentes e ousados bentevis dando rasantes em aves de rapina muito maiores do que eles, principalmente em gaviões, caso ousem invadir o seu território. E quase sempre, põem os invasores para correr, a poder de certeiras bicadas. Êta avezinha corajosa!

Andorinhas?! Para quê os campineiros as quereriam?! Afinal, não foram elas que se mostraram infiéis e nos abandonaram, provavelmente para sempre?! Que fiquem onde escolheram viver! Salve, isso sim, os fidelíssimos bentevis, que nos acordam cedo, cedíssimo, para esta aventura, não raro inglória, da sobrevivência e que neste amanhecer de 14 de julho de 2016, como sempre fazem, saudaram, e com especial entusiasmo, os 242 anos desta metrópole vibrante que tanto amamos!!!

    
Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. Em menina ficava de olho nos animais, nem sempre apenas para contemplá-los. Ler seu texto foi uma refeição completa, com prato de sustentação e sobremesa.

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