quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ordem e desordem



* Por Pedro J. Bondaczuk


O poeta francês Paul Valéry, que além de escrever poemas belíssimos tinha opinião formada (e a emitia) sobre uma gama variada de temas, escreveu: "Duas calamidades ameaçam o mundo: a ordem e a desordem". Referia-se, especificamente, à política e ao sistema social e não a trivialidades. Mas a constatação vale praticamente para tudo. Também e em especial para o nosso cotidiano. O que é em excesso, mesmo quando virtuoso, deixa de ser virtude para se transformar em defeito. É uma mania, uma obsessão ou uma neurose. Quando não, uma calamidade. O que se deve buscar sempre e acima de tudo é o equilíbrio, a moderação, a "normalidade" em seu sentido mais amplo.

Em termos políticos, por exemplo, ordem demais acaba descambando para a ditadura, para a tirania, para a supressão da liberdade. A ausência dela, no entanto, é a anarquia (em sua expressão pejorativa), a bagunça, o caos. Claro que as sociedades submetidas a qualquer destas duas condições estão em risco. São infelizes e não prosperam. O ideal é que haja a mistura, muito bem dosada, de ambos. Que leis livremente estabelecidas e consensuais regulem a vida social. Porém que não sejam impostas de cima para baixo, muito menos por uma só pessoa ou grupo, mas respeitem os limites da individualidade. Victor Hugo, em discurso que fez em Paris no século retrasado, durante as comemorações do centenário de Voltaire, acentuou: "Não há  outra soberania senão a lei para o povo e a consciência para o indivíduo".

A ordem, portanto, é necessária e até fundamental. Mas não a imposta. A imposição significaria a admissão da superioridade de quem a impõe. E neste mundo de efemeridades, onde todos somos transitórios e mortais, ninguém é mais do que ninguém. Deve ser uma convicção, uma opção, um ato de livre vontade das pessoas. É preciso que imperem, na vida social, a funcionalidade, a racionalidade e a justiça. Que de fato todos sejam iguais perante a lei e que essa afirmação não se transforme em mera frase feita, constante da introdução de várias Constituições (entre as quais a nossa), mas simples letra morta, como em geral ocorre.

Mas não é nesse aspecto que pretendo abordar a questão da ordem e da desordem. Quero tratá-la num plano mais chão, mais corriqueiro, mais doméstico, mais trivial, mais "feijão com arroz". Vou fazer-lhes uma confidência, que pode soar como um "mea culpa" (e o é). Em família, sou tido como uma pessoa  excessivamente organizada. Meus livros, meus papéis, meus arquivos, minhas anotações e minhas coisas estão todos nos devidos lugares, classificados, indexados, numerados e prontos para uso. Meus filhos acham que sou exagerado nesse aspecto. Entendem que essa é a minha mania (já que todos têm a sua). Pode ser. Os inimigos classificam-me de chato. Juro que não sou. Mas todo "Doutor Jekyl" tem seu "Mister Hyde" (ou seria o contrário?), e vice-versa.

Em termos de compromissos particulares, sou o sujeito mais bagunçado do pedaço. Minha agenda existe apenas pró-forma, pois por circunstâncias várias, raras vezes é obedecida. Nem sei por que a faço, se não é para respeitar. Por exemplo, troco os dias de palestras combinadas, às vezes até esqueço de os anotar ou anoto horários errados (provavelmente por causa da pressa) e por isso, (a menos que combine com os organizadores para que me busquem, o que faço cada vez com maior freqüência), deixo de comparecer na data marcada. Ou chego duas horas antes, com a maior cara de bobo diante de um auditório vazio. Isto quando não acontece o oposto. Ou seja, quando não deixo, inadvertidamente, centenas de pessoas me esperando por um longo tempo.

Essa confusão não existe em relação ao trabalho. Em todas as empresas pelas quais passei --- e foram poucas, pois nunca apreciei ficar pulando de galho em galho ---  me destaquei pela assiduidade, pela pontualidade e pela organização. Meu problema, portanto, está na dosagem. Está em evitar os extremos e em resgatar o sentido da palavra "mais ou menos". Em cortar as tendências potenciais, latentes, adormecidas para a tirania e a opressão, mas não deixar que o senso de liberdade seja confundido com libertinagem. Equilíbrio, meus caros, equilíbrio. Esta é a fórmula virtuosa. Pois, como ressalta a sabedoria popular, "a virtude está sempre no meio".



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Defendo o meio, e portanto a virtude, mas sei que o morno e o insosso também estão no meio.

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