sábado, 16 de julho de 2016

Cárie da inteligência



O ceticismo exacerbado é um veneno letal que, dependendo da dose, tende a matar a inteligência. E essa afirmação não é exagerada, como a própria lógica, aliás, sugere. Como vou entender o que quer que seja se não acredito nisso? Não entenderei, claro! Os antídotos para essa mortífera poção venenosa são apenas dois: a comprovação concreta, insofismável e sem a menor sombra de dúvidas, de que aquilo em que não acreditamos existe de fato e é mesmo como se diz, e a fé.

Fôssemos esperar por provas para entender o que somos, onde estamos e o que fazemos, estaríamos ainda num estágio de absoluta obtusidade mental. Dependeríamos exclusivamente dos instintos para sobreviver, como ocorre com os demais animais. Não teríamos filosofia, ciências, artes, religião, tecnologia e nada do que nos caracteriza como seres racionais. Viveríamos na maior das obscuridades e nem há certeza de que já não estaríamos extintos como espécie.

É certo que um tantinho de ceticismo, na dose adequada, não faz mal a ninguém. Não podemos sair por aí, por exemplo, acreditando, de cara, em tudo o que lemos, vemos, ouvimos ou pensamos sem uma análise, mesmo que superficial. Há que se ter, porém, (como em tudo na vida) moderação e bom-senso. Os céticos absolutos (se é que os há), que fazem do ceticismo dogma, não são filósofos como se dizem (pois não crêem na filosofia), cientistas (descrêem da ciência) e muito menos pesquisadores da verdade (de que duvidam que exista). São parasitas infelizes, pessoas sem norte ou rumo.

O ceticismo, palavra derivada do verbo grego “sképtomai” (que significa “olhar à distância”, “examinar”, “observar”), é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade. Implica em uma condição intelectual de perpétua dúvida. E mais, de admissão, a priori, da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade.

Há, nessa definição, enorme paradoxo, ou seja, inconciliável contradição. Se o supostamente cético “crê” na incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade, acredita em alguma coisa. Dessa forma, seu propalado ceticismo foi para o espaço. Se “acredita” nisso, por que não poderia acreditar, também, em tantos outros princípios, que são verdadeiros (pelo menos até prova em contrário)?

Vitor Hugo cunhou interessante metáfora para esse tipo de descrença liminar, absoluta e inflexível. Classificou-a de “cárie da inteligência”. Da mesma forma que a primeira destrói, paulatinamente, um dente, até que seja impossível sua restauração (se este não for tratado a tempo), a segunda erode a capacidade de pensar do infeliz que está sob o seu domínio. Como essa pessoa pode ter futuro, se sequer acredita nele? Como pode amar, ter alegria, buscar a felicidade, se não crê em nada disso?

Os odontologistas definem cárie como uma doença originada da associação de placas bacterianas cariogênicas com açúcares ingeridos na alimentação. Quando ambos se encontram, produz-se uma reação química. Formam-se ácidos, que propiciam a saída de minerais do dente. Estes destroem, pois, a camada protetora de esmalte, o que propicia a ação demolidora das bactérias, causando a destruição localizada dos tecidos dentais. A cárie, embora alguns não saibam, é contagiosa, como várias tantas doenças. O ceticismo também contagia incautos. A cárie, em geral, ocorre em decorrência de dietas alimentares inadequadas e, sobretudo, da falta de higiene bucal.

O ceticismo doentio e danoso tem (guardadas as devidas proporções, pelo menos nas causas primárias) evolução parecida com essa que ocorre em nossa boca. Manifesta-se por causa de “dieta” inadequada de pensamentos, decorrente de deficiências na educação e, principalmente, da falta de higiene mental. Ou seja, da ausência de incessante seleção de idéias, em que as nocivas e equivocadas (as destrutivas) sejam de imediato eliminadas, e as positivas estimuladas e consolidadas, numa profilaxia preventiva que funciona a contento em cem por cento dos casos.

Dúvidas razoáveis, que todos temos em algum momento das nossas vidas (na verdade, em vários deles), mas que são facilmente esclarecidas, não podem ser confundidas com ceticismo, ou seja, com “a admissão a priori da incapacidade humana de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade”. Isso descamba para a alienação, que anda, via de regra, de mãos dadas com a omissão, atitude que considero das mais covardes e negativas que uma pessoa possa assumir. Cuidado, pois, com o perigo representado por esta “cárie da inteligência”. Cuide, com carinho e assiduidade, da higiene bucal e, sobretudo, da mental.



Boa leitura!


O Editor.


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2 comentários:

  1. Tenho pendor para o ceticismo, como o compreendo. Não tenho facilidade em ser uma pessoa de Boa Fé. De um lado, São Tomé precisou enfiar o dedo no buraco da lança no fígado de Jesus Ressuscitado para acredita que era Ele mesmo, e de outro, noutra passagem o próprio Cristo disse: mas o que é a verdade? Ou algo semelhante. As pessoas ingênuas são bastante crédulas e isso é um mal. Acreditam que deverá entregar dez por cento do que ganha para fulano, todos os meses, que tal chá emagrece, que tal remédio natural irá reverter um câncer, que tal cinta afina a cintura e outras imbecilidades. Diante de tantos golpes é bom se prevenir. Quanto ao exemplo da cárie, a considero infeliz, já higiene mental, a faço através da psicanálise há quase 15 anos. Talvez o meu comentário não contemple o seu texto, Pedro, pois teria ceticismo pernicioso quem em nada acredita, nem nele e nem na Ciência. Entendi. Mas a gente vê pessoas acreditando em tanta bobagem, que acho melhor ficar atento para não cair no ridículo.

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  2. Perdoem os verbos no singular, por favor. Falta de revisão.

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