domingo, 10 de julho de 2016

Moral ou imoral? Natural


* Por Pedro J. Bondaczuk


O assunto “sexo”, por muitos e muitos anos – até bem recentemente – foi tido e havido como tema tabu. Bastava que alguém mencionasse o assunto, mesmo que de passagem, e fosse em que contexto fosse, para ser de imediato reprovado pelos que o cercavam. A simples menção a esse ato natural, naturalíssimo, instintivo e essencial à vida (afinal, é a sua origem) era considerada “imoral”. Havia (e em alguns círculos ainda há) muita hipocrisia em torno do assunto. As pessoas poderiam “praticar” o sexo (só faltava proibir isso!), reservadamente, mas... ai de quem ousasse falar a respeito!

Em literatura o assunto era proibido. Proibidíssimo. Muitos livros (mas muitos mesmo) notáveis obras-primas da literatura mundial – hoje consagradas, pelo público, e consideradas clássicas – foram proibidos por décadas pelas autoridades, com prejuízos enormes para seus autores e para os editores que ousavam publicá-los. E os que não sofriam essa proibição oficial, chegavam às mãos de raríssimos leitores. Por que? Por falta de sanção, e da conseqüente autorização, de pais, de educadores, de líderes religiosos etc. O instintivo, o indispensável, o natural era tido e havido como vicioso, pecaminoso e, sobretudo, imoral.

Claro que o sexo sempre esteve presente em literatura, e em todos os gêneros, mas, e por muito tempo, era apenas insinuado, sugerido de forma sutil, mediante inúmeros artifícios, metáforas e eufemismos. Apenas não era “explicitado”. Sua prática ficava implícita nos enredos. E esse caráter de mistério, de algo proibido, excitava a imaginação, notadamente dos jovens e dos adolescentes, muito mais do que o mais pornográfico dos textos atuais. O tiro, portanto, saía pela culatra. Os livros proibidos eram os mais procurados. Pudera!

Ainda hoje há muita discussão, por exemplo, sobre o que é meramente erótico e o que é pornografia. Em ambos os casos, o escritor aborda o sexo em seus diversos aspectos, principalmente no da sua consumação, o ato sexual em si. O que os diferencia? No fundo, no fundo, nada! É somente questão semântica. Diria que o bom-gosto na linguagem empregada. E só.

Talvez a diferenciação do trato de uma transa em um texto classificado de erótico e em outro tido como pornográfico esteja nem tanto na forma metafórica e até lírica de se expressar de um e na expressão rude e desbocada de outro. Talvez esteja na forma de se tratar a mulher. No primeiro caso, ela é colocada como musa inspiradora e reverenciada como tal, como ser humano precioso e nobre que é. E no segundo, não passa de mero “pedaço de carne” que existe, apenas, para o prazer masculino. Mas até essa diferenciação é contestável.  

Bem, esse assunto é extenso, complexo, fascinante e sumamente polêmico, com muitos aspectos a considerar, e pode render páginas e mais páginas sem que venha a se esgotar. Minha pretensão, porém, não é a de produzir um ensaio a propósito. Esta introdução, inusitadamente longa, é apenas para informar o leitor que um livro proibido na Inglaterra por 32 anos, considerado “pornográfico” e “imoral”, e que hoje é visto como obra-prima da literatura mundial, está sendo relançado no Brasil. Refiro-me ao romance “O amante de Lady Chatterley”, do poeta e prosador David Herbert Lawrence, mundialmente conhecido como D. H. Lawrence.

Trata-se de edição muito bem cuidada, a cargo da Companhia das Letras, com primorosa tradução de Sergio Flaksman e ainda mais valorizada por um ensaio a propósito da escritora Doris Lessing, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 2007.
Leiam-no, porque se trata de um romance que vale a pena ser lido. Mas não esperem descrições detalhadas de sexo explícito, porquanto irão se decepcionar. Lawrence trata, nesse livro lançado em 1920 (e cuja venda foi liberada na Inglaterra apenas em 1952), do relacionamento extraconjugal da principal personagem, Constance, com o empregado de sua mansão, Oliver, com delicadeza, lirismo, beleza e bom-gosto. Aí é que está seu principal mérito. Ou seja, tratar de um tema aparentemente escabroso, com serenidade, grandeza, beleza e bom-gosto.

Quem se escandalizou com esse livro (e muitos parecem ter se escandalizado com ele), talvez tivesse um enfarte se lesse a obra, por exemplo, de um Henry Miller, com sua trilogia “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”, que, ademais, sequer pode ser classificada de pornográfica. Imaginem se eles lessem os romances de uma Adelaide Carraro! E se acessassem um dos milhares de sites especializados em pornografia, que existem em profusão, internet afora!

Embora o enredo gire em torno de um adultério, no caso o da personagem Constance com o empregado Oliver, este era não somente do conhecimento do marido, como consentido por ele. Mais: sugerido e incentivado pelo suposto “traído”. Explico (tomando o devido cuidado de não revelar o desfecho, para não estragar sua surpresa, caro leitor). Constance Reid, bela mulher, jovem e cheia de vida, casa-se com o oficial inglês, Clifford Chaterlley. Todavia, mal o casal terminou a lua-de-mel, o soldado é chamado de volta ao quartel e enviado para um campo de batalha, pois na época estava no auge a Primeira Guerra Mundial.

O homem é gravemente ferido. Retorna inválido, não apenas sem poder andar, tendo que se valer de uma cadeira de rodas para se locomover, mas perde, também, as funções sexuais. Clifford, todavia, amava demais a esposa, sem egoísmo e sem reservas. Além do que, era homem refinado e compreensivo. Preocupado, pois, com a situação de sua jovem e fogosa mulher, não somente autoriza, como recomenda a Constance que encontre um amante. De início, ela se escandaliza com isso. Depois, premida pelo instinto, pelo intenso desejo, começa a cogitar dessa possibilidade. Até que, finalmente, se rende aos apelos da carne.

Mas não escolhe nenhum sujeito atlético, algum Adônis, belo e atraente. Longe disso. Oferece-se e seduz Oliver, “baixo, feio e rude, mas que tem, para ela, a força da natureza”. O amante escolhido é empregado da mansão e vive numa cabana da propriedade. Bem... mais do que isso não vou revelar. Comprem o livro, magistralmente escrito, para saberem o desfecho.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk




Um comentário:

  1. É bem isso. O choque do fato e o perdão dado pelas circunstâncias. Oliver treinava falcões.

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