FLIP é festa, não é feira
* Por
Mara Narciso
Participar da FLIP
pela segunda vez é como reler um livro e descobri-lo diferente, ainda que o
livro seja o mesmo. A primeira leitura muda o receptor. Paraty, a cidade
presépio está lá, com ruas limpas e suas inacreditáveis pedras do calçamento
que proíbem saltos altos, suas praças e jardins, casas coloniais brancas
recém-pintadas com portas e janelas de cores berrantes vai recebendo seus
visitantes. A cidade é invadida por tribos, cujo intuito principal é consumir
cultura, em especial Literatura. Afinal, esta é a Festa Literária Internacional
de Paraty, na sua 14ª edição, e a mulher é o assunto principal. Ouvem-se alguns
idiomas de celebridades e anônimos, que, educadamente, tumultuam a cidade.
A multidão vem em
busca da ampla programação, que contempla e cabe em todos os gostos. O inverno
faz seu bailado de valsa, ora frio, ora calor. Na versão deste ano a
homenageada é a poeta marginal Ana Cristina César (1952-1983). Na abertura é
feita a apresentação e justificativa da homenagem, além de mostrar a sua poesia
em algumas versões de vídeo. Cada versão é apresentada no início dos trabalhos
nos cinco dias de festa. Armando Freitas Filho, poeta e curador da obra de Ana
C. e o cineasta Walter Carvalho estão na primeira mesa. Durante sete anos o
cineasta filmou o poeta, rendendo o curta-metragem “Manter a linha da
cordilheira, sem o desmaio da planície”, um verso de Armando Freitas. Este mexe
com a platéia quando diz: “a minha poesia, eu a entendo como a que toca todas
as coisas, inclusive as mais monstruosas, que pode tocar um Temer, por
exemplo,”, e ainda, referindo-se a Walter Carvalho e o filme: “Ele não tirou os
olhos de mim, eu não tirei os olhos dele. Ficamos apaixonados”.
Na Tenda dos Autores,
o centro nervoso da FLIP, tem palestra o dia todo, com convidados
internacionais e tradução simultânea. A festa prima pelo alternativo. Mostra
livro dependurado em árvores e em todo lugar, autores na praça falando sobre
Literatura Infantil, poetas vendendo livros improvisados, escritores oferecendo
suas obras na rua, indígenas nacionais e estrangeiros em trajes típicos,
cantores e músicos em busca de uns trocados, teatro, circo, artesanato,
carrinhos e barracas de comida, gente fina em restaurantes caros, bares e
lojinhas charmosos.
As atividades
culturais, devido ao grande número e simultaneidade, não podem ser vistas de
forma abrangente. Há programações oficiais na FlipZona, Casa Folha, Casa
Literária e Gastronômica, Shakespeare House, Casa IMS, Casa Rocco, Casa
PublishNews, Centro Cultural SESC Paraty e Espaço Itaú Centro de Literatura. Em
cada porta o público faz fila, se comprime num ajuntamento, disputa por espaço,
ombro a ombro, sendo comum se assistir a várias atrações em pé. É possível ver
Frei Beto, Frei Leonardo Boff, Heloisa Buarque de Holanda, Adriana Calcanhoto,
Zeca Camargo, Caco Barcelos, Rosely Saião. Depois da venda dos livros dos
entrevistados tem fila para autógrafos.
Na Casa Folha o
público se espreme no pequeno espaço, em tamboretes ou em pé, enquanto gente lá
fora chama os debatedores Marcelo Freixo e Samuel Pessoa para ir pra rua. O
deputado estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro fala em nome da esquerda,
enquanto o economista defende corajosamente a direita. Do ponto de vista
econômico, governos de direita e de esquerda podem usar caminhos semelhantes,
levando o mediador a fazer um paralelo entre os Governos Dilma Rousseff e
Garrastazu Médici, torturada e torturador. No decorrer da guerra, muitos gritos
e insultos, num debate febril e necessário. Afinal, “Para onde vão, a direita e
a esquerda do Brasil”? Houve quem dissesse que a argumentação de Freixo é oca,
mas dá lição de cidadania, conclamando os brasileiros a aprender a ouvir e
também saber como falar, pois o exercício da Democracia exige respeito. Isso a
esquerda e a direita precisam descobrir.
Noutra mesa, chamadas
de herdeiras de Ana C., as três poetas Annita Costa Malufe, Marília Garcia e
Laura Liuzzi discutem a literatura feminina. As jovens protestam contra
rótulos, e assim como Ana C., que foi tão livre quanto as três, afirmam ter
sofrido influência da homenageada, mas trilham caminhos diversos. São
convidadas a ler um poema autoral e Laura Liuzzi lê um que não é dela, para ao
final afirmar que se trata de uma má poesia, e que o autor, Michel Temer, não
tem legitimidade.
Na tenda do café, o
tipo expresso reina soberano, enquanto alguém, isolado numa mesa ao ar livre,
toma café, fuma, e se estica nervosamente, com um olho na multidão que entra e
o outro na tela do celular. Anseia por uma pessoa que não vem e não disfarça a
sua angústia. Ainda que Paraty seja uma festa para o espírito, o coração pula
na espera. A FLIP é presença, mas também ausência.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Bacana, Mara. Espero que volte para a próxima, e que a próxima seja melhor que a deste ano - que, consta, ficou devendo às versões anteriores.
ResponderExcluirNo ano passado o clímax ficou por conta dos artistas pernas-de-pau, que não vieram neste ano. Agradeço o comentário, Marcelo.
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