Eliakim Araujo, presente
* Por
Urariano Mota
As notícias neste
domingo (17) falam muito mal para quem ama a liberdade de opinião no Brasil. Faleceu
aos 75 anos o grande, lúcido e democrata Eliakim Araújo, vítima de um câncer
maldito. O que dizer? Tive a sorte de ter Eliakim Araújo como meu editor no
Direto da Redação, um sítio para o qual pude escrever com absoluta liberdade
muitos artigos. O que dizer mais? Não sei. Então escrevo esta bobagem: um forte
abraço, Eliakim Araújo, amigo pernambucano.
Para melhor lembrá-lo
recupero um texto que publiquei em 1º de agosto de 2013.
Os doze anos do Direto da Redação
“Nesse 3 de agosto o
Direto da Redação faz 12 anos de idade. Que valor tem isso para nós, leitores e
colunistas? Antes, faço uma breve recuperação do tempo. Lembro que na passagem
dos 10 anos do Direto, contei que não fui convidado para entrar no time, fui eu
que pretensioso bati à porta. A um toque de e-mail, respondeu o editor Eliakim
Araújo: ‘Pode entrar, eu já acompanho os seus textos’. E passei a colaborar até
hoje.
De lá para cá, o time
de colunistas que era bom melhorou muito com a chegada de Rodolpho Motta Lima,
Luiz Antonio Mello e João Batista Herkenhof. Da seleção anterior fazia parte
John Hemingway, escritor e jornalista que não trai o sangue do avô, Ernest
Hemingway. Nela também estava Mair Pena Neto. Nela, estavam e continuam Mario
Augusto Jakobskind, Rui Martins, José Inácio Werneck, Antonio Tozzi, Eliakim
Araújo e Leila Cordeiro. De Leila, de passagem anoto que às vezes mata a gente
de boa inveja, se o adjetivo amaciar o substantivo. Isso porque há colunas de
Leila em que ela excede de comentários e recomendações entusiasmadas, enquanto
um outro colunista ganha calorosos votos de mergulho em um mar de tubarões. Faz
parte.
Um esclarecimento. No
parágrafo anterior, escrevi que o time era bom e nele me incluí ligeiro como um
ladrão. Melhor explicar em que consiste a minha excelência no time. A maioria
dos leitores não sabe, mas o editor Eliakim Araújo, não raras vezes, contribui
para o sucesso de meus textos com a mudança de títulos na coluna. Quando uma
delas é muito citada, não tenham dúvida: a culpa é de Eliakim. Ele pede licença
antes e contribui com uma desculpa: ‘Se você não concordar, mande’. Isso, para
bom entendedor, significa ‘presta atenção, esmorecido, isso lá é título?’. Quem
é do ramo bem sabe o quanto um título faz parte de um texto e o reorganiza aos
olhos do mundo. Imaginem, por exemplo, o que seria de Crime e Castigo com o
nome de ‘Raskólnikov de São Petersburgo’. Rascol de quê?
Mas vamos ao que mais
interessa: o valor que para leitores e colunistas tem os 12 anos do Direto da
Redação. Sem dúvida, antes de mais nada, destaco a liberdade de pensamento que
aqui exercemos. Isso significa: antes da coluna jamais perguntamos o que o
editor acha, o que os leitores podem sentir, o quanto as religiões ou crenças
ou comportamentos possam vir a ser incomodados. É claro, há um limite para a
liberdade, pois abstrata, sem forças determinadas, nem no espaço sideral ela
existe. Há um limite não escrito que acredito até hoje não tenha sido
desrespeitado. A saber, não é justo nem lícito faltar com a verdade. Se, em
mais de uma oportunidade, erramos, devo dizer, errei, nesse erro não houve
má-fé. Pode até mesmo ter havido falta de fé, como nos textos em que me
aventurei contra os dogmas da Igreja.
Nessa liberdade, devo
incluir o espectro diverso de opiniões políticas que povoam o Direto da
Redação. Nele há lugar para a esquerda com as suas gradações – e as pessoas não
imaginam, mas às vezes há mais diferença entre duas tendências de esquerda que
entre um conservador e um socialista –, assim como há também lugar para,
digamos, os fervorosos amantes do modo de ser sob o capitalismo. E se nem
sempre os antípodas se cumprimentam, nem por isso se odeiam, acredito. Nesse
espaço, permanentemente aberto, existe lugar até mesmo para comentários
insultuosos e injustos. De uma anestesista, li uma vez que desejava me ver numa
mesa rachado ao meio. De outra, li ameaças que passavam pelo expurgo do meu
bolso, na medida em que pediu a demissão do colunista.
Não sabem os
incomodados, ou mal sabem, que a nossa liberdade aqui não tem preço. Isso quer
dizer, nada recebemos. A não ser, é claro, a ótima percepção de escrever
conforme a nossa consciência. Às vezes, devo confessar, um ou outro colunista
percebe mensagens, e-mails gentis, aliciantes, para um cafezinho com algum
denunciado. Mas desse café até hoje não bebemos. Em resumo, amigos: estamos
todos de parabéns. Na canção de aniversário sempre são desejadas ‘muitas
felicidades, muitos anos de vida’. Não sei se as duas coisas podem andar
juntas. Mas se tivesse de escolher uma só, eu desejaria muitos anos de vida
para a liberdade de pensamento que aqui desfrutamos. O que é uma forma muito
esperta de se desejar a felicidade”.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Aqui também temos a liberdade de pensamento e de expressão, e há mais de dez anos.
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