sexta-feira, 22 de julho de 2016

Eliakim Araujo, presente


* Por Urariano Mota


As notícias neste domingo (17) falam muito mal para quem ama a liberdade de opinião no Brasil. Faleceu aos 75 anos o grande, lúcido e democrata Eliakim Araújo, vítima de um câncer maldito. O que dizer? Tive a sorte de ter Eliakim Araújo como meu editor no Direto da Redação, um sítio para o qual pude escrever com absoluta liberdade muitos artigos. O que dizer mais? Não sei. Então escrevo esta bobagem: um forte abraço, Eliakim Araújo, amigo pernambucano.

Para melhor lembrá-lo recupero um texto que publiquei em 1º de agosto de 2013.

Os doze anos do Direto da Redação

“Nesse 3 de agosto o Direto da Redação faz 12 anos de idade. Que valor tem isso para nós, leitores e colunistas? Antes, faço uma breve recuperação do tempo. Lembro que na passagem dos 10 anos do Direto, contei que não fui convidado para entrar no time, fui eu que pretensioso bati à porta. A um toque de e-mail, respondeu o editor Eliakim Araújo: ‘Pode entrar, eu já acompanho os seus textos’. E passei a colaborar até hoje.

De lá para cá, o time de colunistas que era bom melhorou muito com a chegada de Rodolpho Motta Lima, Luiz Antonio Mello e João Batista Herkenhof. Da seleção anterior fazia parte John Hemingway, escritor e jornalista que não trai o sangue do avô, Ernest Hemingway. Nela também estava Mair Pena Neto. Nela, estavam e continuam Mario Augusto Jakobskind, Rui Martins, José Inácio Werneck, Antonio Tozzi, Eliakim Araújo e Leila Cordeiro. De Leila, de passagem anoto que às vezes mata a gente de boa inveja, se o adjetivo amaciar o substantivo. Isso porque há colunas de Leila em que ela excede de comentários e recomendações entusiasmadas, enquanto um outro colunista ganha calorosos votos de mergulho em um mar de tubarões. Faz parte.

Um esclarecimento. No parágrafo anterior, escrevi que o time era bom e nele me incluí ligeiro como um ladrão. Melhor explicar em que consiste a minha excelência no time. A maioria dos leitores não sabe, mas o editor Eliakim Araújo, não raras vezes, contribui para o sucesso de meus textos com a mudança de títulos na coluna. Quando uma delas é muito citada, não tenham dúvida: a culpa é de Eliakim. Ele pede licença antes e contribui com uma desculpa: ‘Se você não concordar, mande’. Isso, para bom entendedor, significa ‘presta atenção, esmorecido, isso lá é título?’. Quem é do ramo bem sabe o quanto um título faz parte de um texto e o reorganiza aos olhos do mundo. Imaginem, por exemplo, o que seria de Crime e Castigo com o nome de ‘Raskólnikov de São Petersburgo’. Rascol de quê?

Mas vamos ao que mais interessa: o valor que para leitores e colunistas tem os 12 anos do Direto da Redação. Sem dúvida, antes de mais nada, destaco a liberdade de pensamento que aqui exercemos. Isso significa: antes da coluna jamais perguntamos o que o editor acha, o que os leitores podem sentir, o quanto as religiões ou crenças ou comportamentos possam vir a ser incomodados. É claro, há um limite para a liberdade, pois abstrata, sem forças determinadas, nem no espaço sideral ela existe. Há um limite não escrito que acredito até hoje não tenha sido desrespeitado. A saber, não é justo nem lícito faltar com a verdade. Se, em mais de uma oportunidade, erramos, devo dizer, errei, nesse erro não houve má-fé. Pode até mesmo ter havido falta de fé, como nos textos em que me aventurei contra os dogmas da Igreja.

Nessa liberdade, devo incluir o espectro diverso de opiniões políticas que povoam o Direto da Redação. Nele há lugar para a esquerda com as suas gradações – e as pessoas não imaginam, mas às vezes há mais diferença entre duas tendências de esquerda que entre um conservador e um socialista –, assim como há também lugar para, digamos, os fervorosos amantes do modo de ser sob o capitalismo. E se nem sempre os antípodas se cumprimentam, nem por isso se odeiam, acredito. Nesse espaço, permanentemente aberto, existe lugar até mesmo para comentários insultuosos e injustos. De uma anestesista, li uma vez que desejava me ver numa mesa rachado ao meio. De outra, li ameaças que passavam pelo expurgo do meu bolso, na medida em que pediu a demissão do colunista.

Não sabem os incomodados, ou mal sabem, que a nossa liberdade aqui não tem preço. Isso quer dizer, nada recebemos. A não ser, é claro, a ótima percepção de escrever conforme a nossa consciência. Às vezes, devo confessar, um ou outro colunista percebe mensagens, e-mails gentis, aliciantes, para um cafezinho com algum denunciado. Mas desse café até hoje não bebemos. Em resumo, amigos: estamos todos de parabéns. Na canção de aniversário sempre são desejadas ‘muitas felicidades, muitos anos de vida’. Não sei se as duas coisas podem andar juntas. Mas se tivesse de escolher uma só, eu desejaria muitos anos de vida para a liberdade de pensamento que aqui desfrutamos. O que é uma forma muito esperta de se desejar a felicidade”.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.



Um comentário:

  1. Aqui também temos a liberdade de pensamento e de expressão, e há mais de dez anos.

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