domingo, 24 de julho de 2016

Academias: ontem e hoje


* Por Evanildo Cavalcante Bechara


No nascedouro italiano, e depois por toda a Europa, a academia, com o Renascimento, constituía o cenáculo que congregava literatos e cientistas dos mais variados ramos do saber. Com o passar dos tempos, foram-se, criando instituições com destinações especializadas, o que contribuiu para diminuir a presença da academia, especialmente nos setores das tecnologias. Ainda assim, promoveu a cooperação, desenvolveu e aperfeiçoou o cultivo das chamadas belas-letras, incentivou o cultivo e aperfeiçoamento das línguas nacionais e, quando gozava da proteção e auxílio do governo e de poderosos mecenas, divulgou edições de dicionários, vocabulários, gramáticas e textos criticamente apresentados dos seus escritores mais representativos.

No Brasil, além das Faculdades e Institutos de Letras, fundou-se a Academia Brasileira de Filologia e, nos diversos Estados, as Academias de Língua, quase todas com intensa vida cultural e com a participação dos melhores estudiosos e pesquisadores do País.

Assuntos de linguagem tratados sem o necessário preparo freqüentemente aparecem mal resolvidos. Recentemente, a imprensa tem trazido à baila as invasões de estrangeirismos, mormente de procedência da língua inglesa, e os pronunciamentos, com raras exceções, repetem os enganos já malsinados por um grande lingüista francês do século XIX, Miguel Bréal, no seu Essai de Sémantique, cuja primeira edição data do ano da fundação desta centenária Academia. Neste sentido, nosso José de Alencar, em respostas a seus críticos, teceu considerações muito mais lúcidas sobre a introdução do estrangeirismo no português (no seu tempo eram os francesismos) do que muitos gramáticos da época e alguns do nosso tempo.  

Problemas aparentemente fáceis de observação e doutrina como, por exemplo, os brasileirismos, tocam em pontos extremamente complexos de ordem teórica; a consulta à bibliografia pertinente revela-nos o intrincado do problema. Um filólogo que honrou esta Casa, Celso Cunha, pôs à luz a complexidade da questão no estudo Que é um brasileirismo, enquanto outros filólogos, também acadêmicos, João Ribeiro e Heráclito Graça, muito se debateram contra a “patriotice” dos puristas acerca deste ponto. A minha presença na Academia poderá contribuir para estabelecer o conveniente elo e equilíbrio entre os resultados da pesquisa de instituições especializadas, com seus produtos de ciência pura, e o papel institucional da Casa, pelo voto dos acadêmicos, no cultivo e defesa da língua como expressão literária do instinto nacional.

Independentemente das instituições especializadas, poderá a Casa, por proposta do seu filólogo, apresentar a seus pares e à ilustre Academia das Ciências de Lisboa sugestões simplificadoras em aspectos puramente convencionais e práticos ainda presos a tecnicismos que perturbam o homem comum, sem prejuízo naturalmente de pressupostos teóricos. É o caso, por exemplo, do emprego do hífen e do apóstrofo segundo as complicadas exigências do nosso Formulário ortográfico, de 1943, ou mesmo do Acordo de 1991.

Daí a Academia, para a consecução dos preceitos estatutários, ou de outros que seus membros elegerem prioritários para atenderem a novas necessidades, precisar da colaboração de órgãos e de especialistas na programação de atividades e elaboração de obras relacionadas com o cultivo da língua e da literatura nacional.

Trecho final do seu discurso de posse.


*  Professor e filólogo, membro da Academia Brasileira de Letras.

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