terça-feira, 2 de agosto de 2011







Azulejaria

* Por Evelyne Furtado

A mulher nem notou as primeiras gotas, pois a princípio aquele abrigo a protegia. Logo a chuva empoçava o chão estragando os laços de seus sapatos azuis. Dois ou três passos separavam-na da melhor proteção. Mas ela preferiu encolher-se. E foi diminuindo pele, músculos, ossos, carne, tempo e excessos de todos os gêneros.
Alice, outra vez, ela sentia respingos de chuva e arrepios. Tinha, então, 15 anos e de alguém se despedia. A mão era o conforto, assim como a bebida quente. Um gole para aquecer por dentro. Outro para esquecer lá fora. A mão no pescoço, nos ombros, nas costas. A roupa colada ao corpo. O cabelo desfeito. O medo do passo imperfeito e a porta fechada na parede em azulejaria.
Faltava um azulejo. Qual seria? A busca na memória tirou-lhe o sono, mas enfim, dormiu dois dias. Acordou com Baby I Love Your Way. Peter Frampton cantava outra história, outra vida, em outra rua. Como seria?

• Poetisa e cronista de Natal/RN

3 comentários:

  1. O final do texto deixa uma indagação impossível de se responder, apenas uma lacuna imensa pra se imaginar. E se, e se, e se...
    Um pequeno conto, uma grande pergunta. Parabéns, minha amiga.

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  2. Intrigantes reminiscências com vários pontos de convergência em cima da porta fechada e do azulejo que faltava. Até mesmo a protagonista não sabe as respostas. Seriam tantas as possibilidades. O que terá feito o destino?

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  3. Obrigada pela leitura, Marcelo e Mara. Beijos, queridos.

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