Hotéis
* Por Urda Alice Klueger
Os hotéis são lugares frios, sempre são. Mesmo este, onde os funcionários leram livros meus e, discretamente, naquele jeito discreto que os funcionários de hotéis têm, contam-me a respeito.
Não faz muita diferença se os hotéis têm cinco ou nenhuma estrela. Os hotéis são lugares onde a gente ganha uma chave (ou um cartão magnético, como aqui), um espaço próprio e a solidão. Esse espaço que a gente ganha pode ter banheiros suntuosos, Internet personalizada, confortos inesperados – mas é um espaço de hotel, e os espaços de hotel são frios e impessoais.
Sinto saudades dos Albergues da Juventude onde já me hospedei por este mundo afora, com suas salas de convivência, suas máquinas de lavar roupa, com seus quartos compartilhados, com as amizades que se fazem neles, às vezes só através de sorrisos, pois em Albergues da Juventude às vezes se falam tantas línguas que não há outra forma de comunicação.
Os hotéis não têm tais coisas. Hóspedes de hotéis não se cumprimentam nem no café da manhã, e ficam um tanto quanto acanhados se trocam duas palavras no elevador. Tenho a impressão de que hóspedes de hotéis se sentem como gente feita de outro estofo, como gente numa escala um pouco mais elevada que os humanos comuns. Ou talvez tenham medo é que se descubra que, na verdade, eles são mesmo meros humanos comuns, e num hotel isso é um tanto quanto desconcertante.
Não sei por quê, aqui neste hotel estou a lembrar um Albergue da Juventude onde fiquei em Bogotá. Era lindo, aquele Albergue! Lá no tempo dos jesuítas tinha sido um colégio de moças, dirigido por freiras. Claro que as moças eram ricas, as filhas dos criollos[1], e o que sobrara do colégio era lindo!
Lembro dos pesadíssimos beliches em madeira negra nos quartos enormes, voltados para o pátio interno, como é de praxe nas mansões hispânicas. Chegáramos de longa viagem desde Ipiales quando o dia amanhecia, e afundamo-nos nos beliches suntuosos de um quarto vazio, escurecido por grandes cortinados. Horas depois, ao despertar, um par de sorridentes olhos escuros me espiava desde outro beliche, e outras camas estavam ocupadas. A moça dos olhos escuros era colombiana, e seus olhos sorridentes falavam da sua surpresa porque nos soubera brasileiras. E como os nossos irmãos colombianos gostam do Brasil, principalmente do seu futebol!
A mim só restou sorrir ao ver os olhos sorridentes da colombiana. No primeiro instante de lucidez descansada, em Bogotá, eu já tinha uma amiga! Tal coisa é impossível de acontecer num hotel.
Hoje é sábado e estou no restaurante de um hotel. Já jantei, já deu tempo de escrever todo este texto, e nada mudou. Pessoas circularam e jantaram por aqui, pessoas a quem já vi no elevador, no café da manhã, na recepção... Somos todos estranhos. Até arrisquei puxar conversa com dois hóspedes com quem já compartilhei o elevador. Tiveram o maior susto. E se eu descobrisse que eram meros seres humanos? Poderia ser um perigo!
Tenho que aprender que num hotel a gente tem que se bastar. Tenho que aprender que na vida a gente tem que se bastar. Lá no quarto, tenho um romance que trouxe da Venezuela em fevereiro. É melhor subir e ir lê-lo.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
* Por Urda Alice Klueger
Os hotéis são lugares frios, sempre são. Mesmo este, onde os funcionários leram livros meus e, discretamente, naquele jeito discreto que os funcionários de hotéis têm, contam-me a respeito.
Não faz muita diferença se os hotéis têm cinco ou nenhuma estrela. Os hotéis são lugares onde a gente ganha uma chave (ou um cartão magnético, como aqui), um espaço próprio e a solidão. Esse espaço que a gente ganha pode ter banheiros suntuosos, Internet personalizada, confortos inesperados – mas é um espaço de hotel, e os espaços de hotel são frios e impessoais.
Sinto saudades dos Albergues da Juventude onde já me hospedei por este mundo afora, com suas salas de convivência, suas máquinas de lavar roupa, com seus quartos compartilhados, com as amizades que se fazem neles, às vezes só através de sorrisos, pois em Albergues da Juventude às vezes se falam tantas línguas que não há outra forma de comunicação.
Os hotéis não têm tais coisas. Hóspedes de hotéis não se cumprimentam nem no café da manhã, e ficam um tanto quanto acanhados se trocam duas palavras no elevador. Tenho a impressão de que hóspedes de hotéis se sentem como gente feita de outro estofo, como gente numa escala um pouco mais elevada que os humanos comuns. Ou talvez tenham medo é que se descubra que, na verdade, eles são mesmo meros humanos comuns, e num hotel isso é um tanto quanto desconcertante.
Não sei por quê, aqui neste hotel estou a lembrar um Albergue da Juventude onde fiquei em Bogotá. Era lindo, aquele Albergue! Lá no tempo dos jesuítas tinha sido um colégio de moças, dirigido por freiras. Claro que as moças eram ricas, as filhas dos criollos[1], e o que sobrara do colégio era lindo!
Lembro dos pesadíssimos beliches em madeira negra nos quartos enormes, voltados para o pátio interno, como é de praxe nas mansões hispânicas. Chegáramos de longa viagem desde Ipiales quando o dia amanhecia, e afundamo-nos nos beliches suntuosos de um quarto vazio, escurecido por grandes cortinados. Horas depois, ao despertar, um par de sorridentes olhos escuros me espiava desde outro beliche, e outras camas estavam ocupadas. A moça dos olhos escuros era colombiana, e seus olhos sorridentes falavam da sua surpresa porque nos soubera brasileiras. E como os nossos irmãos colombianos gostam do Brasil, principalmente do seu futebol!
A mim só restou sorrir ao ver os olhos sorridentes da colombiana. No primeiro instante de lucidez descansada, em Bogotá, eu já tinha uma amiga! Tal coisa é impossível de acontecer num hotel.
Hoje é sábado e estou no restaurante de um hotel. Já jantei, já deu tempo de escrever todo este texto, e nada mudou. Pessoas circularam e jantaram por aqui, pessoas a quem já vi no elevador, no café da manhã, na recepção... Somos todos estranhos. Até arrisquei puxar conversa com dois hóspedes com quem já compartilhei o elevador. Tiveram o maior susto. E se eu descobrisse que eram meros seres humanos? Poderia ser um perigo!
Tenho que aprender que num hotel a gente tem que se bastar. Tenho que aprender que na vida a gente tem que se bastar. Lá no quarto, tenho um romance que trouxe da Venezuela em fevereiro. É melhor subir e ir lê-lo.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Quanto melhor o hotel,--no sentido de caro e chique--, mais os hóspedes se fazem de importantes e menos olham para os outros. Você achou o termo correto: eles se bastam. Dão a impressão que apenas os pobres se interessam pelos demais.
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