Domingo`s
* Por Marcos Alves
Seria mais um domingo, não fosse esse o Dia dos Pais. Apresso-me em dizer que não sinto especial apreço pela data, mas tenho dois filhos. Começou no café, eu ainda de pijama (se assim posso chamar short e camiseta surrados, que parecem estar despertando comigo a cada manhã), e com o mais novo me cercando no corredor. Olho para aquele sorriso mágico que só as crianças têm e ele me deseja: “Feliz Dia dos Pais”. Ótimo para começar o dia, dá ânimo. Ah! Tinha ainda os presentes. E a lasanha do almoço regada a um bom vinho tinto. Nada mal. Na TV, os bombardeios ... Bem, deixa pra lá, estamos falando de amenidades, coisas simples. Futebol?
Domingo em curso, e o meu Fluminense joga contra o Cruzeiro no Mineirão. O retrospecto a favor do tricolor tem sido favorável nos últimos jogos contra a raposa. E o Fluminense tem uma coisa de ganhar, às vezes, de forma épica, sobrenatural. Nelson Rodrigues, tricolor ilustre, descreveu o fenômeno como “Sobrenatural de Almeida”. Assim o mestre chamava os gols improváveis, defesas milagrosas e outras façanhas do Fluminense. Não sei dizer se as furadas, frangos e “entregadas” também eram assim chamados por ele - até onde me lembro, as crônicas eram publicadas no Jornal dos Sports. O fato é que o Flu ganhou de virada do Cruzeiro, por 3 a 2. E isso me lembrou outro domingo em que o Fluminense me deu enorme alegria.
Em uma tarde de sol no Rio de Janeiro pelos idos de 1984, acordei bem disposto e pensei: hoje é meu domingo de sorte! Lembro-me bem daquele dia em que meu time, o Fluminense, mais tarde se tornaria campeão brasileiro. 1984. Nem as previsões sombrias de George Orwell seriam capazes de atrapalhar minha certeza. No trajeto para o Maracanã contemplava a paisagem do aterro pela janela do ônibus. Olhar de mineiro no Rio. Nesse dia tudo parecia especial. Compreendi, num instante, o samba de Jobim: "Minha alma canta..."
No estádio, vi e comemorei o zero a zero com o Vasco como se fosse uma vitória. Foi o bastante, o Flu só precisava do empate. Pouco antes de terminar o jogo, segui para as Laranjeiras. Teria chope de graça "e à vontade", diziam na véspera os dirigentes tricolores.
Na chegada deu para perceber que eram muitos, milhares de torcedores felizes como eu. Tudo bem, pensei, tem para todo mundo, os caras garantiram. Não foi bem assim. A primeira fila era para pegar o copo. De plástico, diga-se de passagem. Coisa de meia hora depois estava eu, de copo em punho, pronto para o primeiro gole. Fui então para a segunda fila, a do chope.
Era grande, a danada. E não andava não. Paciência e bom-humor, afinal tínhamos acabado de conquistar um caneco inédito. Campeão Brasileiro, assim mesmo, com letras maiúsculas. Bom demais. E lá ia a fila, claro, vagarosamente. Pelo gramado, gente gritando, bandeiras tricolores tremulando, e a noite caía.
Finalmente chegou minha vez. Ufa! Tinha que chegar, afinal, era meu domingo de sorte! Encheram meu copo, e naquele empurra daqui, empurra dali, o plástico se rompeu. Metade do chope caiu. Bebi rapidamente o que sobrou. Foi a primeira vez, nesse dia inesquecível, que fiquei desapontado. Logo na minha vez, pôxa! Tem nada não, que o fluzão valia o sacrifício. Pensava em como ia ficar a cara dos meus amigos, em Minas, quando contasse a história! E fui pegar outro chope.
As mesmas filas, também demoradas, mas consegui. Só que depois, resolvi que já estava bom. Vi o jogo, vencemos, e ainda fui às Laranjeiras. Legal. Bati a mão no bolso, um antigo hábito, e...cadê a carteira? Meu Deus! E agora? Será que meu domingo de sorte ia terminar assim, perdendo dinheiro, documentos...Resolvi procurar, falar com alguém do clube ou mesmo da polícia, que estava lá, para ver se de repente...Olhei em volta: confusão. Gente para lá e para cá, bandeiras, o hino do Fluminense no sistema de som.
“Salve o querido pavilhão. Das três cores que traduzem tradição ...”. O hino rolando e eu de joelhos, batendo a mão no gramado, apalpando o chão. Mas estava escuro. Aquela luta inglória enfim vencia o coração do guerreiro que, entre exausto e desanimando ia se acostumando com a idéia de tirar segunda via, pegar senha, e toda a chatice burocrática que se anunciava...Até que: bem ali, depois daqueles caras... um policial tem VÁRIAS carteiras na mão. Em volta dele há VARIAS pessoas com a mesma cara de m. que a minha. Fui até lá, perguntei ao guarda e ele perguntou meu nome. Respondi e ele foi abrindo as carteiras. Reconheci a minha e indiquei a ele, que conferiu o nome e me entregou de volta. Não estava enganado, não. Era mesmo meu domingo de sorte.
* Marcos Alves é jornalista.
* Por Marcos Alves
Seria mais um domingo, não fosse esse o Dia dos Pais. Apresso-me em dizer que não sinto especial apreço pela data, mas tenho dois filhos. Começou no café, eu ainda de pijama (se assim posso chamar short e camiseta surrados, que parecem estar despertando comigo a cada manhã), e com o mais novo me cercando no corredor. Olho para aquele sorriso mágico que só as crianças têm e ele me deseja: “Feliz Dia dos Pais”. Ótimo para começar o dia, dá ânimo. Ah! Tinha ainda os presentes. E a lasanha do almoço regada a um bom vinho tinto. Nada mal. Na TV, os bombardeios ... Bem, deixa pra lá, estamos falando de amenidades, coisas simples. Futebol?
Domingo em curso, e o meu Fluminense joga contra o Cruzeiro no Mineirão. O retrospecto a favor do tricolor tem sido favorável nos últimos jogos contra a raposa. E o Fluminense tem uma coisa de ganhar, às vezes, de forma épica, sobrenatural. Nelson Rodrigues, tricolor ilustre, descreveu o fenômeno como “Sobrenatural de Almeida”. Assim o mestre chamava os gols improváveis, defesas milagrosas e outras façanhas do Fluminense. Não sei dizer se as furadas, frangos e “entregadas” também eram assim chamados por ele - até onde me lembro, as crônicas eram publicadas no Jornal dos Sports. O fato é que o Flu ganhou de virada do Cruzeiro, por 3 a 2. E isso me lembrou outro domingo em que o Fluminense me deu enorme alegria.
Em uma tarde de sol no Rio de Janeiro pelos idos de 1984, acordei bem disposto e pensei: hoje é meu domingo de sorte! Lembro-me bem daquele dia em que meu time, o Fluminense, mais tarde se tornaria campeão brasileiro. 1984. Nem as previsões sombrias de George Orwell seriam capazes de atrapalhar minha certeza. No trajeto para o Maracanã contemplava a paisagem do aterro pela janela do ônibus. Olhar de mineiro no Rio. Nesse dia tudo parecia especial. Compreendi, num instante, o samba de Jobim: "Minha alma canta..."
No estádio, vi e comemorei o zero a zero com o Vasco como se fosse uma vitória. Foi o bastante, o Flu só precisava do empate. Pouco antes de terminar o jogo, segui para as Laranjeiras. Teria chope de graça "e à vontade", diziam na véspera os dirigentes tricolores.
Na chegada deu para perceber que eram muitos, milhares de torcedores felizes como eu. Tudo bem, pensei, tem para todo mundo, os caras garantiram. Não foi bem assim. A primeira fila era para pegar o copo. De plástico, diga-se de passagem. Coisa de meia hora depois estava eu, de copo em punho, pronto para o primeiro gole. Fui então para a segunda fila, a do chope.
Era grande, a danada. E não andava não. Paciência e bom-humor, afinal tínhamos acabado de conquistar um caneco inédito. Campeão Brasileiro, assim mesmo, com letras maiúsculas. Bom demais. E lá ia a fila, claro, vagarosamente. Pelo gramado, gente gritando, bandeiras tricolores tremulando, e a noite caía.
Finalmente chegou minha vez. Ufa! Tinha que chegar, afinal, era meu domingo de sorte! Encheram meu copo, e naquele empurra daqui, empurra dali, o plástico se rompeu. Metade do chope caiu. Bebi rapidamente o que sobrou. Foi a primeira vez, nesse dia inesquecível, que fiquei desapontado. Logo na minha vez, pôxa! Tem nada não, que o fluzão valia o sacrifício. Pensava em como ia ficar a cara dos meus amigos, em Minas, quando contasse a história! E fui pegar outro chope.
As mesmas filas, também demoradas, mas consegui. Só que depois, resolvi que já estava bom. Vi o jogo, vencemos, e ainda fui às Laranjeiras. Legal. Bati a mão no bolso, um antigo hábito, e...cadê a carteira? Meu Deus! E agora? Será que meu domingo de sorte ia terminar assim, perdendo dinheiro, documentos...Resolvi procurar, falar com alguém do clube ou mesmo da polícia, que estava lá, para ver se de repente...Olhei em volta: confusão. Gente para lá e para cá, bandeiras, o hino do Fluminense no sistema de som.
“Salve o querido pavilhão. Das três cores que traduzem tradição ...”. O hino rolando e eu de joelhos, batendo a mão no gramado, apalpando o chão. Mas estava escuro. Aquela luta inglória enfim vencia o coração do guerreiro que, entre exausto e desanimando ia se acostumando com a idéia de tirar segunda via, pegar senha, e toda a chatice burocrática que se anunciava...Até que: bem ali, depois daqueles caras... um policial tem VÁRIAS carteiras na mão. Em volta dele há VARIAS pessoas com a mesma cara de m. que a minha. Fui até lá, perguntei ao guarda e ele perguntou meu nome. Respondi e ele foi abrindo as carteiras. Reconheci a minha e indiquei a ele, que conferiu o nome e me entregou de volta. Não estava enganado, não. Era mesmo meu domingo de sorte.
* Marcos Alves é jornalista.
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