terça-feira, 16 de agosto de 2011







Impossibilidade de civilização

* Por Cacá Mendes

Eu não gosto do metrô, prefiro ônibus porque posso ver as coisas lá fora. No metrô não, a gente não vê nada. Lá ficamos na obrigação de olhar o vazio das pessoas, por fora, ou por dentro. Elas nos olham também, mas são sempre intocáveis, inatingíveis; ou seja, são coisas bastante inócuas, por não provocarem nada de razoável em alguém.
Elas, as pessoas, estão dentro de uma vitrine móvel... Algumas tentam irromper, quebrar, varar, mas há a indiferença do liso, do chapado do vidro, e tacitamente ficam à espera mágica de alguma outra possibilidade por ali. Mas tem a pressa, a urgência da vida, a urgência e tudo precisa ser mesmo muito fast, muito food, no executivo, no factível do frio, do preciso, do liso, do reto.
Reticências aqui.
Tudo que não se precisa numa metrópole é de filósofos! Logo, se você nunca anda de metrô ou nunca andou, esqueça esse seu lado de pensante, nesse tipo de lotação humana, tudo é tão veloz e hermético que pensar não entra, não cabe. Meninos e meninas, preparem-se, eu... vi... Mas já chegamos.
As portas abrem e fecham novamente. Segue-se o rápido, o prático. Se você não vai descer na próxima estação, não fique PARADO na PORRA da região das portas! Que tipo de locução é essa de metódica, plena, fixa, informativa, educativa, orientadora, de gente, hein?! Alguém, por favor, professor se for, poderia me dizer desse ensino diário de se espalhar o comportar nos lugares de gente se pondo, indo-vindo em massa?! Claro, direcionado àqueles que não se educaram no berço ou em escola certa de vida.
Agora vão ter que ouvir sempre, mesmo os já educados...
A voz cibernética do locutor, mormente num som bem tosco e quase sempre fora de controle, soa agressiva, inoportuna, invasora. E destoa, destoa.
Ademais, sei disso porque sinto logo pelo próprio ar que textura nossos olhos, bocas, corpo dentro desses locais subterrâneos desse maravilhoso transporte coletivo... Sei, estou nadando no cu do comum, todavia acho que os arquitetos (dos governos) bem formados que são pouco, não vão pensando nas gentes que se utilizam das suas crias. O metrô é mesmo muito frio, feito para abortar quaisquer tentativas de civilização no seu interior. Já observou como se senta, como se conversa, como se gesticula dentro dos carros ou mesmo dentro das estações? Estamos todos num templo sobre trilhos.
No metrô não corremos (oh que contradição!), não damos passadas fora do nosso rumo, não ziguezagueamos, não alteramos a voz, nunca olhamos nos cimos dos tetos das pessoas. Estamos sempre numa serventia imaginária, plena de prudência, reverência cauta, peculiar, mesmo quando somos os maiores senhores de nós. As lisuras do cimento, do alumínio, do metal, do vidro e a ultra velocidade urgentíssima de se chegar, de se ir, de se atravessar, se arrumar, se encaixar num canto... Ah, a busca por um assento em bancos tão frios como pedaços de mármore! E em horário de picos, Deus sabe lá, a busca de um vãozinho para pôr os pés, se não, vai sem chão mesmo. Voando como é. E digo, ainda bem que é sempre uma viagem rápida. Daí, dói quase nada isso tudo.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

Um comentário:

  1. Assim como você, adoro as janelas. Leio placas
    observo a correria, tento decifrar as expressões.
    Do metrô só salvo o trajeto derradeiro e certeiro
    entre o meu cantinho e as idas e vindas ao hospital.
    É...chego a conclusão de que também não gosto do
    metrô.
    Abraços Cacá, bom te ver por aqui.

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