Relatividade do sucesso
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor William Faulkner, notoriamente um homem bem-sucedido na vida, como um dos maiores clássicos da literatura norte-americana e mundial, tinha uma tese bem peculiar acerca do sucesso. Afirmava que se tratava de um "matador" da criatividade, dessa ânsia de perfeição que todas as pessoas devem ter, seja qual for a sua atividade, até o último instante da existência. O italiano Alberto Morávia expressou a mesma idéia em tempos recentes. Estariam ambos com a razão? Os fracassados seriam os verdadeiros gênios das artes e das ciências? Seriam os chamados donos da verdade? Enxergariam aquilo que eventualmente ninguém mais vê? Claro que não. E nem os dois escritores fizeram qualquer apologia do fracasso. Ambos quiseram, apenas, alertar sobre a tendência que todos temos à acomodação. Sobre o "dormir sobre os louros" conquistados.
Em literatura, por exemplo, é o sucesso de crítica e de público que abre o mercado editorial ao escritor. Caso este fracasse com uma determinada obra, dificilmente conseguirá espaço (a menos que banque uma edição do seu bolso) para lançar uma segunda, terceira, etc. Um jogador de futebol, por seu turno, que de repente comece a ter atuações decepcionantes, a desagradar a torcida e a imprensa, a ponto de ser posto na reserva, desvaloriza o seu passe. Caso a má fase persista, terá dificuldades de fechar novos contratos. Terminará a carreira em times medíocres, de segunda ou terceira divisão, com salários de fome. O mesmo raciocínio vale para outras atividades e profissões que lidem com o público.
Uma pessoa que queira ser bem-sucedida não pode permitir jamais que a notoriedade lhe suba à cabeça. O povão tem uma expressão para isso: "máscara". Chegar ao topo de uma escada profissional não é tão difícil, embora exija talento, esforço, sorte e sabedoria para aproveitar as oportunidades que surgirem. Porque o desafio não está na ascensão, mas em se manter no alto. Há, nos dias de hoje, personalidades prefabricadas pela mídia, em sua insaciável ânsia por novidades. É o que Humberto Eco denomina de "sistema de celebridades". Quem tem estrutura, substância, conteúdo, não se assusta com a súbita fama. Aliás, nem a adquire de repente, mas passo-a-passo, de maneira consistente e planejada. Não se empolga com câmeras, microfones, menções em colunas sociais ou literárias e nem com o assédio do público, que são coisas que viciam. Mantém-se aplicado, determinado, ativo, em busca da perfeição.
Eco constata: "O sistema de celebridades consegue transformar em notícia não só o descaramento de quem se mostra cada dia na televisão, como também o esconderijo de quem vive em retiro. Tal sistema transforma em notícia até mesmo a ausência. Não só é notícia quem publica um livro por ano, mas também e sobretudo quem não publica nunca". Mas as exigências da mídia por novidades fazem com que haja uma permanente renovação de personagens. Subitamente o famoso de hoje se torna o esquecido de amanhã.
Talvez seja por causa da imaturidade para administrar situações como esta que raramente um escritor brasileiro da atualidade lança, ao longo de sua vida ativa, dois grandes livros. Muitos estouram com o primeiro, surgem como grandes promessas, esgotam edições, ganham elogios da crítica e desaparecem. Não que parem de escrever e de publicar. Param é de fazer sucesso. E raramente a segunda obra tem qualidade comparável à primeira. Falta continuidade. Quantos romancistas, poetas, ensaístas ou cronistas esboçam uma fulminante carreira, chegam à Academia Brasileira de Letras e depois se acomodam! Passados cinco ou dez anos, são absolutamente esquecidos. O verdadeiro sucesso, infelizmente, salvo exceções (como no caso de Jorge Amado, por exemplo, para citar o mais evidente), advém somente depois da nossa morte.
Veja-se o caso de Machado de Assis. Não tinha nenhum dos ingredientes artificiais para a fama. Mas contava com o essencial. Era dotado de um talento inato, genuíno, que não podia ser negado nem pelo mais estúpido dos estúpidos. O crítico Moacir Amâncio observou: "Machado de Assis, um vencedor, foi grande romancista da impotência. Pobre, mulato, baixinho, epiléptico, gago e feio, deu-se bem. Não virou contínuo nem faxineiro, mas diretor de repartição e conseguiu se tornar o maior prosador da língua portuguesa. Sua genialidade no trato do idioma só encontra páreo nos melhores momentos de Camilo". Este sim foi um bem-sucedido. O tempo apenas consolidou seu sucesso.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor William Faulkner, notoriamente um homem bem-sucedido na vida, como um dos maiores clássicos da literatura norte-americana e mundial, tinha uma tese bem peculiar acerca do sucesso. Afirmava que se tratava de um "matador" da criatividade, dessa ânsia de perfeição que todas as pessoas devem ter, seja qual for a sua atividade, até o último instante da existência. O italiano Alberto Morávia expressou a mesma idéia em tempos recentes. Estariam ambos com a razão? Os fracassados seriam os verdadeiros gênios das artes e das ciências? Seriam os chamados donos da verdade? Enxergariam aquilo que eventualmente ninguém mais vê? Claro que não. E nem os dois escritores fizeram qualquer apologia do fracasso. Ambos quiseram, apenas, alertar sobre a tendência que todos temos à acomodação. Sobre o "dormir sobre os louros" conquistados.
Em literatura, por exemplo, é o sucesso de crítica e de público que abre o mercado editorial ao escritor. Caso este fracasse com uma determinada obra, dificilmente conseguirá espaço (a menos que banque uma edição do seu bolso) para lançar uma segunda, terceira, etc. Um jogador de futebol, por seu turno, que de repente comece a ter atuações decepcionantes, a desagradar a torcida e a imprensa, a ponto de ser posto na reserva, desvaloriza o seu passe. Caso a má fase persista, terá dificuldades de fechar novos contratos. Terminará a carreira em times medíocres, de segunda ou terceira divisão, com salários de fome. O mesmo raciocínio vale para outras atividades e profissões que lidem com o público.
Uma pessoa que queira ser bem-sucedida não pode permitir jamais que a notoriedade lhe suba à cabeça. O povão tem uma expressão para isso: "máscara". Chegar ao topo de uma escada profissional não é tão difícil, embora exija talento, esforço, sorte e sabedoria para aproveitar as oportunidades que surgirem. Porque o desafio não está na ascensão, mas em se manter no alto. Há, nos dias de hoje, personalidades prefabricadas pela mídia, em sua insaciável ânsia por novidades. É o que Humberto Eco denomina de "sistema de celebridades". Quem tem estrutura, substância, conteúdo, não se assusta com a súbita fama. Aliás, nem a adquire de repente, mas passo-a-passo, de maneira consistente e planejada. Não se empolga com câmeras, microfones, menções em colunas sociais ou literárias e nem com o assédio do público, que são coisas que viciam. Mantém-se aplicado, determinado, ativo, em busca da perfeição.
Eco constata: "O sistema de celebridades consegue transformar em notícia não só o descaramento de quem se mostra cada dia na televisão, como também o esconderijo de quem vive em retiro. Tal sistema transforma em notícia até mesmo a ausência. Não só é notícia quem publica um livro por ano, mas também e sobretudo quem não publica nunca". Mas as exigências da mídia por novidades fazem com que haja uma permanente renovação de personagens. Subitamente o famoso de hoje se torna o esquecido de amanhã.
Talvez seja por causa da imaturidade para administrar situações como esta que raramente um escritor brasileiro da atualidade lança, ao longo de sua vida ativa, dois grandes livros. Muitos estouram com o primeiro, surgem como grandes promessas, esgotam edições, ganham elogios da crítica e desaparecem. Não que parem de escrever e de publicar. Param é de fazer sucesso. E raramente a segunda obra tem qualidade comparável à primeira. Falta continuidade. Quantos romancistas, poetas, ensaístas ou cronistas esboçam uma fulminante carreira, chegam à Academia Brasileira de Letras e depois se acomodam! Passados cinco ou dez anos, são absolutamente esquecidos. O verdadeiro sucesso, infelizmente, salvo exceções (como no caso de Jorge Amado, por exemplo, para citar o mais evidente), advém somente depois da nossa morte.
Veja-se o caso de Machado de Assis. Não tinha nenhum dos ingredientes artificiais para a fama. Mas contava com o essencial. Era dotado de um talento inato, genuíno, que não podia ser negado nem pelo mais estúpido dos estúpidos. O crítico Moacir Amâncio observou: "Machado de Assis, um vencedor, foi grande romancista da impotência. Pobre, mulato, baixinho, epiléptico, gago e feio, deu-se bem. Não virou contínuo nem faxineiro, mas diretor de repartição e conseguiu se tornar o maior prosador da língua portuguesa. Sua genialidade no trato do idioma só encontra páreo nos melhores momentos de Camilo". Este sim foi um bem-sucedido. O tempo apenas consolidou seu sucesso.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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