Casanova não mora no meu hard-drive
* Por Pablo Uchoa
Sou um iletrado nessa história de paquera online, azaração via email, recadinhos bacanas no celular e outros miquitriques tecnológicos que facilitam os relacionamentos da vida moderna.
Culpa exclusivamente minha, admito. Tenho amigos que conseguem encontros numa troca de mensagens, balançam corações enviando cartões e flores virtuais, até namorada sei que um já conquistou numa sala de bate-papo.
Sou incapaz disso.
Até há pouco tempo eu me considerava um rapaz relativamente avançadinho porque meu desempenho telefônico não estava entre os piores. Sim, confesso minha paixão pela voz feminina em ligações que varam madrugadas, tons de voz amaciados, sacanagenzinhas insinuadas em palavras ambíguas, afagos bem escolhidos.
Ou então telefonemas-surpresa em algum momento no meio da tarde, o dia está bonito, escutei aquela música, vi se beijar um casal apaixonado, não importa o motivo, estou aqui na China ou em Acapulco, pensei em você, beijos.
Pronto, mais tecnologia que isso atrapalha.
Curioso, porque sempre me achei um sujeito tímido e, portanto, propenso a lançar mão desse tipo de invencionice. Aos 10 anos de idade, fugi do meu primeiro encontro cara a cara.
Na época, minha amiga secreta da 4ª série me deu uma dessas carteiras emborrachadas que faziam sucesso nos anos 80, com uma foto sua entre os plásticos para documentos. Era o gesto mais ousado que meninas dessa idade podiam cometer – e eu de fato tinha verdadeiros tremores por aquela garota. Mas que frouxo, corei ao receber o presente, até faltei à comemoração de fim de ano, depois mudamos de escola e nunca mais a vi.
De lá para cá já vão alguns anos, se não me tornei um cara atirado, graças a Deus deixei de fazer essas coisas feias, fugir de uma dama apaixonada, misericórdia.
Não há nada melhor que o contato olho no olho, bom dia, amor, você ainda não me sorriu e a tarde está sendo um fardo; amanhã você me sorrirá e meu dia será glorioso.
O manjado truque de aproveitar o momento em que você vai tomar um cafezinho, levantar-se sorrateiro e contornar o escritório pelo lado oposto ao seu, de repente nos encontramos na máquina de expresso, que coincidência, você. Conversamos sobre amenidades, o fim de semana, um cineminha, anota meu celular.
Rápido e descomplicado, mas, ao mesmo tempo, cheio de minúcias. Poucas operações são tão astuciosas quanto essa, de lançar olhares dúbios e dizer palavras certeiras, demonstrar mas controlar os impulsos, ou, se estamos num bar, convidar para uma dança na ambígua sutileza de deixar claro que não, meu amor, não aceito resposta negativa.
Meus amigos adeptos das modernas ferramentas de relacionamento criticam esse estilo, é mais fácil atrever-se por aí em cartões virtuais e declarações padronizadas em PowerPoint para sei lá quem, nunca se sabe direito que tipo de gente vai comprar isso.
Mas talvez seja aqui que se deva demorar, fazer as coisas bem-feitas. Para não perder o que há de melhor nos relacionamentos, que são justamente as histórias que nele se cruzam, que caminham juntas, pode ser por anos ou semanas ou minutos.
Ou nem isso, apenas um mísero segundo, um leve roçar de cotovelos, umas bochechas rosadas por um nanomilésimo de tempo, não mais que o suficiente para despertar a imaginação de paturebas como eu, que de certa forma me sustento de viver e aprisionar devaneios.
Como a velha metáfora da estrada que se deve percorrer não apenas para chegar ao fim, mas para saborear o caminho. Ou o sexo, que é provavelmente o melhor recurso para descrever os relacionamentos. Uma densa e longa transa que atravesse as horas e os ruídos da madrugada. Até a manhã chegar e nos surpreender, já exaustos, mas ainda em plena efervescência.
*Jornalista, graduado pela USP em 2000. Trabalhou, por cinco anos, na TV Globo, como produtor e editor da Globonews e do núcleo de reportagens especiais do Jornal Nacional. Autor do livro-reportagem “Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez” (Ed. Globo, 2003). Mora na Inglaterra e é pesquisador do Institute for the Studies of the Americas, da Universidade de Londres.
* Por Pablo Uchoa
Sou um iletrado nessa história de paquera online, azaração via email, recadinhos bacanas no celular e outros miquitriques tecnológicos que facilitam os relacionamentos da vida moderna.
Culpa exclusivamente minha, admito. Tenho amigos que conseguem encontros numa troca de mensagens, balançam corações enviando cartões e flores virtuais, até namorada sei que um já conquistou numa sala de bate-papo.
Sou incapaz disso.
Até há pouco tempo eu me considerava um rapaz relativamente avançadinho porque meu desempenho telefônico não estava entre os piores. Sim, confesso minha paixão pela voz feminina em ligações que varam madrugadas, tons de voz amaciados, sacanagenzinhas insinuadas em palavras ambíguas, afagos bem escolhidos.
Ou então telefonemas-surpresa em algum momento no meio da tarde, o dia está bonito, escutei aquela música, vi se beijar um casal apaixonado, não importa o motivo, estou aqui na China ou em Acapulco, pensei em você, beijos.
Pronto, mais tecnologia que isso atrapalha.
Curioso, porque sempre me achei um sujeito tímido e, portanto, propenso a lançar mão desse tipo de invencionice. Aos 10 anos de idade, fugi do meu primeiro encontro cara a cara.
Na época, minha amiga secreta da 4ª série me deu uma dessas carteiras emborrachadas que faziam sucesso nos anos 80, com uma foto sua entre os plásticos para documentos. Era o gesto mais ousado que meninas dessa idade podiam cometer – e eu de fato tinha verdadeiros tremores por aquela garota. Mas que frouxo, corei ao receber o presente, até faltei à comemoração de fim de ano, depois mudamos de escola e nunca mais a vi.
De lá para cá já vão alguns anos, se não me tornei um cara atirado, graças a Deus deixei de fazer essas coisas feias, fugir de uma dama apaixonada, misericórdia.
Não há nada melhor que o contato olho no olho, bom dia, amor, você ainda não me sorriu e a tarde está sendo um fardo; amanhã você me sorrirá e meu dia será glorioso.
O manjado truque de aproveitar o momento em que você vai tomar um cafezinho, levantar-se sorrateiro e contornar o escritório pelo lado oposto ao seu, de repente nos encontramos na máquina de expresso, que coincidência, você. Conversamos sobre amenidades, o fim de semana, um cineminha, anota meu celular.
Rápido e descomplicado, mas, ao mesmo tempo, cheio de minúcias. Poucas operações são tão astuciosas quanto essa, de lançar olhares dúbios e dizer palavras certeiras, demonstrar mas controlar os impulsos, ou, se estamos num bar, convidar para uma dança na ambígua sutileza de deixar claro que não, meu amor, não aceito resposta negativa.
Meus amigos adeptos das modernas ferramentas de relacionamento criticam esse estilo, é mais fácil atrever-se por aí em cartões virtuais e declarações padronizadas em PowerPoint para sei lá quem, nunca se sabe direito que tipo de gente vai comprar isso.
Mas talvez seja aqui que se deva demorar, fazer as coisas bem-feitas. Para não perder o que há de melhor nos relacionamentos, que são justamente as histórias que nele se cruzam, que caminham juntas, pode ser por anos ou semanas ou minutos.
Ou nem isso, apenas um mísero segundo, um leve roçar de cotovelos, umas bochechas rosadas por um nanomilésimo de tempo, não mais que o suficiente para despertar a imaginação de paturebas como eu, que de certa forma me sustento de viver e aprisionar devaneios.
Como a velha metáfora da estrada que se deve percorrer não apenas para chegar ao fim, mas para saborear o caminho. Ou o sexo, que é provavelmente o melhor recurso para descrever os relacionamentos. Uma densa e longa transa que atravesse as horas e os ruídos da madrugada. Até a manhã chegar e nos surpreender, já exaustos, mas ainda em plena efervescência.
*Jornalista, graduado pela USP em 2000. Trabalhou, por cinco anos, na TV Globo, como produtor e editor da Globonews e do núcleo de reportagens especiais do Jornal Nacional. Autor do livro-reportagem “Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez” (Ed. Globo, 2003). Mora na Inglaterra e é pesquisador do Institute for the Studies of the Americas, da Universidade de Londres.
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